quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Ok


Ok seria, tecnicamente, a resposta para todas as perguntas e não-perguntas.
"Você se sente bem?"
Eu digo: estou ok.
"Você tá legal?"
Estou ok.
"Seus dias, como vão?"
Ok.
"Seus pais?"
Ok.
"Suas leituras?"
Ok, de novo.
"Tudo ok?"
Yep. Tudo ok.
"..."

Os dias realmente parecem ok. Não há agressões metódicas. Nem sentimentais.
Não há pores do sol. Ou lua cheia.
Não há luz inteira. Nem sombras por completo.
Seguir a metáfora é mais simples. Todo mundo entende a agressão que a luz comete a sombra que ela mesma cria.
Mas não é como se tudo estivesse ruim.
Mas elas também não estão ótimas. Ou boas.
Estão ok.

É ok se sentir desse jeito, eu respondo para mim mesmo depois de um outro dia que tento sair da rotina e ela me encontra de novo e joga contra a parede.
"Você está sendo um garoto malcriado", ela me diz, "muito malcriado."
É da minha índole.
"Está ok, baby. Agora, que tal a gente continuar aqui até umas 4h? Prometo que faço aquela coisa legal."
Que coisa legal?
"Você sabe: não sair de perto de você."
Ah.
"Ah"

Não é que acordar às duas da tarde e ir dormir às quatro da manhã fosse algo ruim. É ok.
É costume. É rotina. E ela não larga do meu pé.
Não que eu também queira. É como eu disse.
"Está tudo ok, baby. Está tudo ok."
E ela continua porque realmente sabe que está tudo ok.
E eu aceito tudo isso.
Sento na cadeira do computador e fico lendo meus quadrinhos até nem perceber que horas são.
Quando olho, minha baby me chama pra cama. Ela é realmente desejável.
Ela sabe me manter por perto.

De repente eu penso que seria mais legal eu parar com essas coisas.
"Mas elas estão ok", ela me diz, como se tivesse lido meus pensamentos.
Acho que ela realmente leia.
"Lógico que eu leio. Está tudo ok."
Ok.

Se os dias tivessem alguma cor, eu diria que são sépias. Não o bom sépia, que me lembra de canela e de garotas que eu amei. Ou amo.
Nem aquele sépia mal.
Aquele sépia ok. Com cheiro meio amargo e gosto igual ao odor.
"Pode experimentar, querido. São todos seus."
Os dias são todos meus? Isso é meio triste.
"Não é. É ok."

Aquela memória vazia volta de vez em quando. Aquela que fica dizendo que eu amo alguém.
Ou eu não a amo?
"Ela é ok."
É. Ela é ok.
Sempre ok, nunca mais que ok.
"Sim, querido. Você aprende rápido as coisas. Você é inteligente."
Você está elevando meu ego, sabia?
"Eu sei."
Eu disse que ela era irresistível.

Como com apesares.
Estou com fome?
"Ok"
Estou com sede?
"Ok"
Estou gostando do que estou comendo?
"É ok."
Ok.
Estou vivo?
"..."
Estou vivo?
"..."
Acho que isso também deva ser ok, não é?
"..."

"..."
Ok.
Nosso relacionamento já não é mais o mesmo.
Mas acho que isso é ok.
Ok?
Ok.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Sorte


Dançávamos a dança do amor. Você de um lado, com um sorriso no rosto olhando para um rapaz mais velho. Eu, do outro, olhando para uma garota loira, uns meses mais nova. A dança não era clássica, mas era uma valsa; dançávamos com alguém sem par, a qualquer dia, a qualquer lugar. Às vezes não queriam dançar com a gente; tudo bem, ser rejeitado é algo natural. E eu ainda não reparava no jeito alegre que você dançava com aquele rapaz ou no jeito que ele te olhava com olhos famintos, não carnalmente, mas no tudo de você. Quando deu uma batida do sino, vocês se soltaram e se afastaram. Teu olhar ficou perdido no dele quando te tirei pra dançar aquela dança curta. 

E depois que nos soltamos, dentro daquela noite de maio azeda, eu quase não pude mais dançar com ninguém. Tentei dançar todos os tipos de dança: aquelas rápidas e sensuais; aquelas lentas, gigantescas; aquelas passageiras de tão efêmeras. E quando eu tive outro relance de você, me contive para te chamar a dançar de novo. Diante de toda a desolação, saberia que nunca mais iriamos formar um par na pista. Com a porta fechada, eu pude olhar melhor para os rostos sentidos, alguns até exaustos. 

Naquela pista de dança havia mais gente solitária, sentada nas cadeiras ao redor, do que eu havia imaginado a princípio. Eu segui até uma delas e perguntei se queria dançar. Ela me olhou com uma expressão vaga de lembrança, como se me conhecesse. E eu sabia que eu já a conhecia. Ela pensou por uns segundos e depois disse:

 - Claro. Por que não?

Começamos a dançar sem nos sentirmos exaustos. Aquela valsa lenta se tornou rápida e se alterou aos poucos em algo muito mais elaborado. Sabíamos os passos apesar de nunca ter encontrado-os. Sabíamos que a dança era imortal, como nossos olhos refletidos nos olhos do outro e isso nos bastou para saber que tínhamos a sorte ao nosso lado, nem que fosse por apenas um momento, por um reflexo suave de nossa felicidade.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Resenha: Coraline - Neil Gaiman

"Desde que quatro crianças descobriram a terra encantada de Nárnia, ninguém iniciava uma viagem fantástica num simples abrir de porta. E desde que Alice seguiu o coelho, ninguém enfrentou coisas tão extravagantes e assustadoras. Você não tem que ser criança para se render ao encanto de Gaiman em Coraline. Entre por essa porta e acredite no amor, na magia, e no poder do bem sobre o mal"

"Senhoras e senhores, meninos e meninas, levantem-se para aplaudir: Coraline é o que há". Philip Pullman, autor da série Fronteiras do Universo

"Este livro conta uma história fascinante e perturbadora que quase me matou de susto. A menos que você queira se esconder debaixo de sua cama, com o dedo na boca, tremendo de medo e fazendo toda a espécie de sons estranhos, sugiro que largue o livro devagarinho e vá procurar uma diversão mais leve, algo assim como um crime sem solução, por desvendar". Lemony Snicket, autor da série Desventuras em Série.


Coraline é uma das aquelas histórias que todo mundo já ouviu falar sobre ou porque fizeram um filme adaptado ou porque conhece o autor de algum outro trabalho e fuçando sobre a vida dele descobriu esse livro. Não que nada disso fosse necessário: Coraline é apenas um dos livros mais reconhecidos do grande Neil Gaiman, um dos responsáveis pela grande guinada dos quadrinhos na década de 80, escrevendo Sandman e a Orquídea Negra pela DC Comics (aquela do Batman, sabe?)

Apesar de Neil ser mais conhecido por seus trabalhos mais adultos, como o próprio Sandman e outras histórias, como Lugar Nenhum e Deuses Americanos, ele tem uma grande leva de história infantis, na qual Coraline talvez seja a mais importante delas juntamente com O Livro do Cemitério (nome estranho para um livro infantil, eu sei).

A história nos traz Coraline Jones, uma garota que acabou de se mudar com sua família para uma espécie de mansão dividida: várias pessoas vivem nela como se fossem apartamentos. Lá não há muito o que se fazer, então ela explora os arredores e começa a conhecer os vizinhos. Num dia de chuva, sua mãe e seu pai não a deixar sair de casa para poder explorar, então seu pai lhe dá uma folha e uma caneta e diz para contar as janelas, portas e coisas azuis. Ela conta e descobre uma porta que está trancada, uma porta que não funcionava, que não abria e muito menos fechava. Sua curiosidade aflora e ela pergunta a sua mãe para onde a porta levava. Sua mãe disse que a lugar nenhum e decidiu pegar a chave e mostrar para ela. A porta dava numa parede de tijolos. A mãe voltou a trancar a porta e guardou a chave. À noite daquele mesmo dia, Coraline começa a ouvir ruídos que a levam para a sala de visitas, onde essa porta está localizada. Ela percebe que não estava realmente fechada: estava entreaberta, mas levando, ainda, à uma parede de tijolos.

Depois de dias de tédio, Coraline aproveita que seu pai não está em casa e sua mãe tinha acabado de sair para ir ao supermercado para pegar a chave daquela porta e tentar ver, de novo, aonde ela levava. Após um pequeno sacrifício para conseguir a chave, ela se dirigiu a sala de visitas e tentou abrir de novo a porta. Ela não levava mais à uma parede de tijolos. Agora existia um corredor. Ela segue em frente pelo corredor até chegar do outro lado, onde também há uma porta. É atrás dela que a história realmente começa, porque é lá que Coraline encontra sua outra-mãe e seu outro-pai. É lá que ela descobre que gatos podem falar. E é lá que sua aventura para salvar seus pais e três crianças começa.

O livro em si é muito bom. Neil Gaiman tem grandes sacadas em algumas frases, principalmente nas falas do gato. O que me atazanou um pouco na leitura foi achar que algumas coisas se desenrolam muito rapidamente no começo do livro, deixando aquele clima de "está faltando alguma coisa aqui, mas não sei o que exatamente". Mas isso é somente no começo. Do capítulo 5 em diante a história caminha tranquilamente e de forma bastante divertida e um tanto quanto sombria. Talvez por ter lido com uma idade mais avançada, Coraline não tenha me atingido com tudo que tem, mas não deixa de ter aquele tom sombrio que faz você se perguntar o que tem atrás das portas de sua casa. Os desenhos de Dave McKean (um grande artista que já participou de inúmeros projetos com Gaiman) ajudam a construir esse cenário e até gostaria que existissem mais deles pelo livro. Apesar de ter achado ótimo, sinto que alguma coisa falta no começo, ou que poderia ser maior o livro. Deve ser somente minha vontade por livros maiores gritando, já que Neil e Dave fizeram um ótimo trabalho.

Ficha
Nome: Coraline (do original, Coraline)
Autor: Neil Gaiman
Ilustrações: Dave McKean
Número de páginas: 155
Editora: Rocco Jovens Leitores
Formato: brochura ou ebook
Tamanho: 14 x 21 (o conhecido tamanho de Harry Potter)
Ponto positivo: portas! Adoro portas. Nunca se sabe exatamente o que há atrás delas.
Ponto negativo: o que eu já havia dito, que é a questão de sentir que está faltando algo na história, só que não saber bem o que.

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Nota: 8,5/10


Coraline Jones em sua versão animada em stop-motion.