sábado, 4 de janeiro de 2014

Pra ser sincero



Você saiu do mesmo jeito que entrou.

No final daquela festa, daquele desperdício de meu tempo, eu já estava cansado de ficar andando por aí tentando encontrar um espaço em que eu poderia existir sem tanta dor, então me sentei lá fora, perto da escadaria que leva a porta, e comecei a olhar para o céu nublado em busca de estrelas que eu sabia muito bem que eu não iria encontrar. As batidas desarmônicas vibravam o chão e as janelas e me traziam de volta àquilo que eu queria tanto fugir. Pessoas, tanto mais desconhecidas do que amigas apesar de já tê-las visto tantas vezes antes e de tê-las em minhas redes sociais, às vezes paravam e me perguntavam porque eu estava ali, sentado, sozinho. Respondia que estava cansado de dançar, ou então que eu precisava de um pouco de ar, ou até então que eu estava bêbado demais para ficar em pé. Alguns sentavam ao meu lado e conversavam sobre coisas aleatórias. Sobre a escola. Sobre a universidade. Sobre o futuro, sobre todas as coisas que eu não gostaria de falar. Abanava com a cabeça e entrava na conversa porque, pelo menos, era um desvio, um meio de me sentir menos vazio. Só que essas pessoas, tão estranhas, tão familiares, sempre iam embora e me deixavam sentado no mesmo lugar iluminado por uma lua cheia e encoberto por nuvens de chuva. Quando você saiu de lá com seu outro alguém, eu não soube o que fazer além de acenar, responder educadamente e me manter integro, pelo menos nas aparências. Não me permiti ter raiva do novo alguém, apenas de você, aquela que surgiu na chuva e saiu na presença de uma. Você agiu como se eu fosse nada e eu agi como se tudo isso fosse nada. Um término antes dos fins dos dias que poderíamos ter tido. Uma bala atravessada no peito e um silêncio e uma serenidade anormais. Cheguei em casa e não me permiti sentir raiva, apesar da dor. Não me permitir perder a calma, apesar de não senti-la de verdade. Sereno. Você me enganou com tantas promessas e tantas resoluções para o novo ano que viria. Mas me jogou pela janela do carro, seguiu seu próprio caminho, deu fim a todos os novos começos que tivemos e dessa vez a ferida foi fatal, pois só silêncio existe depois da morte.

Olhando para o livro ao meu lado, penso em você e em como te encontrei tantas outras vezes e como em todas elas eu quis te evitar ao máximo possível. Dizem que o ano é novo, mas não parece. Eu pareço até mais velho no espelho, mais estranho. Você me parece mais estranha. É como se eu deixasse de conhecer os mesmos traços que sempre amei com tanto carinho. E é isso que somos: sobras, remendos, soldados que retornaram de suas próprias guerras cheio de ferimentos e avisos. Digam-me que o ano é novo e eu tentarei encobrir meus passos. Digam-me para deixar as coisas para trás e eu tacarei fogo nas lembranças. Digam-me para não me importar e eu me importarei com os textos que nunca escrevi e que talvez nunca chegue a escrever. Digam-me que agora eu tenho novas oportunidades e direi que cada dia é novo e que todo dia é uma oportunidade nova e que eu os desperdiço sonhando dormindo em vez de sonhar acordado. Todos se esvaem no ritmo natural de suas coisas, você fica com o que conseguir agarrar, arrancar de suas mãos. Um livro, uma dedicatória, uma gravação, uma carta. Talvez uma fotografia, uma camiseta, um cheiro apagado ou uma vela acesa no calar da noite. Roubamos coisas para nos mantemos vivos e dizemos que o ano é novo, que começamos um novo livro de 365 páginas. Mas elas são todas amarelas, cheirando ferrugem. Há riscos e rabiscos por baixo de suas folhas grossas, como se esperassem que manchemos-as com sangue em vez de tinta. As novidades se mudam para alguns cantos mais remotos e capa nos engana. Ela se foi do mesmo jeito que entrou. Com um passar de página. Com um novo giro do ponteiro do relógio. Com um novo ano que surgiu e que eu sei que vai esvair no próximo piscar de olhos. 

Então não pisco com medo de perder as coisas, de deixar algumas irem embora. Quero perder muito e me livrar do peso, mas o quão difícil é começar do zero? Na chuva que me trouxe até você, perdi minhas estribeiras e, agora, na chuva que me tirou de você, eu perdi coisas que nem sei nomear. Ano novo, velho passado. Que me retirem do labirinto silencioso de falhas, e me digam que a realidade nunca foge. Que somos turistas sem mapas, bússolas ou cantis. E talvez eu diga que você está certo. Talvez eu diga que eu errei. E diga que as coisas são mais do que parecem, e que jamais devemos desistir de nossos sonhos. E talvez eu concorde, pois, quando eu abrir os olhos desse sonho pesado que sonho em minha cama, eu talvez viva mais do que tudo que já vivi. Talvez esqueça a dor do passado e aceite as coisas como são e siga em frente por esse ano que se segue, novo, e por todos aqueles consequentes a este. Talvez eu respire aliviado quando te ver na rua e siga reto, em busca não daquilo que deixei pra trás, mas daquilo que nunca procurei. 

Pra ser sincero, minha amiga, meus infortúnios e meus pesares, prazer em revê-los, e até mais.

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