domingo, 23 de março de 2014

De pijamas a noite

Depois de tantas noites de medo
Inseguro embaixo das cobertas
Tento abrir a
porta
janela
luz
E me permito um pouco do além do que vem
e do que se vê

Eu digo
"olá, olá
como vai você?"
E não ouço resposta além do silêncio
absurdo
que compartilho todos os dias com
meu coração inquietante
no ex-escuro de minha prisão
domiciliar e incompleta
aberta agora, mas extremamente ausente

Repito o chamado
Chamo por alguém
com pressa
mas a resposta é sempre o silêncio
no ex-escuro aberto a claridade
a fatalidade da realidade
a reação dos medos ao que é verdadeiro de verdade

Depois de tantas noites de medo
Já percebo as coisas claramente
No escuro
Fecho a janela
Me cubro
E desligo a pequena ausência que senti
por dois segundos
daquele mundo inseguro e brilhante

Uso os cobertores como proteção
e dirijo meus sonhos pela contramão
do sonho americano

domingo, 16 de março de 2014

Arrefecer



Você passa todo aquele tempo remoendo ideias em sua cabeça. Qual será que daria mais certo? Passear pelo frio noturno ou simplesmente fugir e se esconder debaixo das cobertas? Você olha pela janela, sente o vento frio entrando por baixo da porta e seu coração de repente congela. Uma parte de você quer simplesmente esquecer. A outra quer se esquentar, mas não ali. Não, ali não dá. Muitas coisas aconteceram ali. Tenta achar um outro jeito de fazer as coisas e começa a pensar em tudo aquilo que tinha ali, que tinha em você e que tinha acontecido. Você revê um beijo roubado no escuro dum domingo perto da sarjeta. Recorda uma sensação de calor de quando o via vindo em sua direção. Relê em sua mente uma série de conversas ocorridas na calada da noite, no alto da madrugada enquanto ambos morriam de sono e não conseguiam simplesmente dizer "até mais, a gente se fala quando eu acordar". O flashback parece durar eternidades quando você é despertada e percebe que ainda está olhando pela janela para o caos de pessoas lá fora do bar. Está frio, talvez uns 15 graus. Você se aquece com um casaco de lã e cachecóis. Começa a esfriar cada vez mais e você sabe que daqui algumas horas o frio será insuportável. Se arrepende de ter saído de casa para tomar alguma coisa quente, alguma coisa que fizesse esquecer algo que nem mesma você sabe. Você simplesmente está cansada e lembrar das coisas não ajuda a passar pelos dias gelados que batem na sua porta e entram sem permissão. 

Decide então partir, sair, se mandar do bar. Diz adeus às amigas que estavam com você. Quando perguntam porque está indo embora tão cedo, responde que recebeu uma ligação de sua mãe e precisa voltar logo pra casa. Nada preocupante, você garante. Mente para que não saibam o que passa pela sua cabecinha, para que não tentem ajudar. Você simplesmente não quer ajuda. Quer apenas escapar dali, partir para lugar nenhum e ao mesmo para todos os lugares. Você sente o frio subindo pela garganta e empurrando uma ânsia de fugir e gritar. Quer subir pelas paredes, não ser você, ser ninguém, ser alguém. Começa a andar, depois acelera os passos e sai correndo quando as pessoas no bar já não conseguem te alcançar e nem se preocupar. Está frio, você se aquece correndo para casa, para um santuário não infligido por memórias. E no meio do caminho, se depara com ele, também vestindo roupas de frio. Uma touca velha e gasta, luvas, um casaco pesado. Os amigos dele estão ao lado, todos de camisetas de manga curta. Alguns de calça, outros de bermuda. Parece que só vocês sentem o frio da estação.

Você para e ambos começam a se olhar de maneira estranha, como se tivessem se perdido há muito tempo. Ele fala para os amigos irem para o bar sem ele. Diz para não se preocuparem, ele ficaria bem. Quando os amigos partem e passam por você, ninguém tenta olhar pra trás. Eles sabem que aquilo não pertence a eles. Vocês se encaram com dor, um esperando o outro dizer algo logo. Quem acaba tentando quebrar o gelo é ele.

Ele te pergunta, meio tímido e cabisbaixo, como você vai. Acaba respondendo com uma espécie de sussurro que vai indo bem e repete a pergunta para ele. Ele diz que acha que está bem, sim. É pura conversa fiada e você sabe que o ataque de pânico que estava sentindo estourar suas veias e esperanças só está aumentando de tamanho a cada segundo. Decide ir embora logo. Você precisa ir embora. Quando está abrindo a boca para dizer "desculpa, mas eu preciso realmente ir embora", ele fala. Você ouve, mas sua cabeça pensa em 3 mil e diferentes coisas. Você pensa no cabelo dele. Na barba por fazer roçando em seu rosto. Pensa no frio que apagou a cor daqueles olhos castanhos tão cheios de vida. Percebe que ele disse alguma coisa a ver com a situação de vocês. Algo como deixar você correr para sei lá onde você estava correndo. Quando percebe, ele já está andando e te passando, indo para o lugar que você lutou tanto para sair. Seu coração vai batendo cada vez mais rápido, seu pânico quase atinge as cordas vocais. Fica parada por alguns instantes quando ouve a voz dele atrás de você. "Foi bom ter te visto", ele diz. Você vira para encará-lo e repara naquele sorriso pela metade, em apenas um lado do rosto, que ele sempre dá. Talvez ele esteja lembrando dos bons momentos. Você certamente está lembrando agora (ah, os bons momentos!). Ele acaba por te dando as costas e indo atrás do amigos que, afinal, pararam na porta do bar para esperá-lo.

Sua necessidade de sair, gritar, não ser mais nada, explodir, se esvai, deixando um buraco que você preenche rapidamente com tristeza e lágrimas congeladas, esperando um momento para escorrerem por ai. Você volta para casa e sua mãe lê sua expressão logo quando te vê. Ela pergunta o que aconteceu, com um olhar preocupado no rosto, aquele velho olhar de mãe. Você não consegue suportar o olhar e não sabe se quer chorar com ela ou sem ela. Acha melhor ficar sozinha e é o que diz para ela. Vai indo em direção ao quarto e decide tomar um banho quente. Lá você derrama suas lágrimas. Explode de maneira silenciosa enquanto seu mundo parece desabar ao seu redor. Vai para o quarto e se tranca. Pega um, dois, três cobertores e se cobre com eles. Tenta de alguma maneira quebrar o gelo em seu coração, mas começa a achar isso impossível. Tenta pensar em quando tudo isso aconteceu, quando que vocês se distanciaram tanto e não consegue achar resposta. Pode ter sido ontem, semana passada, ano passado. Talvez até na vida passada. Vocês simplesmente ficaram assim. Pensa nele, em como ele está apagado, sem brilho, sem nada e em como você está sem calor, sem espaço. Vocês se magoaram mutualmente sem intenções. Esfriamos, você acaba dizendo a si mesma. Sim, esfriaram. Esfriaram o tempo, o amor, o carinho e as saudades. Esfriaram até mesmo a sensação de estarem vivos. Esfriaram as chances, os talvezes, os poréns e os eu te amos. Você deita e busca conforto nos seus sonhos.

Lá não neva.