sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Seguir viagem



Saímos do jeito que entramos.

Depois de um ano, contando pelos números impressos nas margens das páginas, aqui estamos onde nunca deveríamos ter ficado, tão longe um do outro quanto estrelas através da infinitude do universo. Em alguns momentos, geralmente quando estou aqui, sentado, repenso e penso sobre as coisas que nunca perguntei e sobre todas as perguntas que sempre pergunto a mim mesmo, e não recebo resposta: só há o eco eterno da minha voz no vazio que vou preenchendo com trabalho e coisas vulgares.

Em minha tentativas, vãs, de reconectarmos ao que éramos (ou ao que um dia poderíamos ter sido), apenas fico olhando pela janela enquanto o tráfego e as pessoas passam para os futuros de suas vidas. Costumo, até mesmo, a olhar pelos vidros do ônibus e imaginar quem são essas pessoas, onde estão seus futuros e seus destinos, o que já passaram, quem as conhecem, quem elas são por dentro, e, no final, acabo sorrindo para mim mesmo. Talvez o pensamento de que é possível mais pessoas estarem pensando no mesmo que eu, sentindo o mesmo que eu, apesar de nossas diferenças abismais, me deixa mais feliz e me faz pensar nas coisas que nunca tive a chance de fazer.

Esses pensamentos que começam a fazer casa em minha entranhas acabam criando mais vazio do que preenchê-lo corretamente. O quão difícil é voltar a normalidade depois que uma tempestade emocional te atingiu e te tirou da terra sólida e segura? Ficamos voando pelas nuvens, sentindo o vento em nossos rostos por tanto tempo que temos medo da terra firme, temos medo da queda, temos medo de ter que voltar às vidas medíocres que costumávamos ter. Não conseguimos voltar. Agarramo-nos a qualquer coisa que pareça flutuar, seja um avião, um helicóptero. Um balão de festa. Agarramo-nos em nossos trabalhos, em saídas esporádicas onde colocamos o sorriso falso no rosto, onde colocamos nossa persona mais irreal e que nos permite mais aceitação. Você não pode cair, afinal. Seu medo não é importante; a regra é não cair: vejam como estão todos sorrindo na rua, indo para seus futuros futurísticos e alegres. Coloque a máscara mais horrenda que tiver contanto que haja um sorriso e que você esteja feliz. E então caímos mais profundamente no nosso desespero de superar as adversidades da vida e sermos felizes de verdade, de finalmente tirarmos aquela máscara feia e poder mostrar nosso rosto sem medo e sem que as regras interfiram no seu vazio que já é ausente.

Então eu tento escrever, mas até isso, que parecia tão fácil, acaba saindo travado, quando sai. As ideias parecem desconexas quando precisa expô-las, e as coisas mais sinceras parecem errôneas ao serem colocadas em palavras e enviadas a outra pessoa. E o vazio continua fazendo suas vítimas, se alimentando de memórias antigas. É quando você lembra daquela chuva, daquela tempestade tão antiga. Quando o cheiro em velhos casacos já lavados parece o cheiro de tempos bem mais antigos. Quando uma palavra te lembra aquilo que você tenta esquecer. Quando você não sabe mais o que fazer e todas as tentativas de salvar sua alma são apenas tiros que você dá na própria cabeça, mas sem te matarem. Cada tentativa é uma bala, cada bala uma coisa em que você se agarra e, quando você, por fim, se olha no espelho, consegue distinguir apenas uma sombra do que você foi e do que você tem capacidade de ser.

Você navega pelas águas negras e assombradas de seus próprios pensamentos e, em algumas oportunidades, quer apenas sentar no chão, gritar e chorar. As procuras em livros e filmes se torna fútil, sem demonstrar resultados pois nem você sabe quais são os resultados que procura. Você só quer se agarrar a alguma coisa durante a violenta queda de trinta corações e meio de altura. Eu só quero me agarrar a alguma coisa durante minha violenta queda de dezenove corações e meio de altura. Penso sobre minha morte, sobre as coisas que deixaria por fazer se eu morresse no dia seguinte ou até mesmo agora, enquanto escrevo este texto. Eu sentiria dor? Eu sentiria o vazio, que já vive em mim, se libertar por completo e dominar a carcaça que é meu corpo? Eu sentiria tristeza por ter morrido tão jovem ou por ter morrido tão perdido? Memento Mori. "Lembre-se da morte" surge em minha mente e depois percebo que esse é o final da queda: vou mais afundo do que a terra que parti, vou mais afundo que as feridas que tenho, vou mais afundo do que o caos que surge em minha ausência. Lembre-se da morte, lembre-se da morte. Digo como um mantra, meu Carpe Diem. Lembre-se que é mortal e um dia sua queda será fatal... mas sua queda não é hoje.

É quando abro os olhos e percebo que estou cercado pela mais inúmera quantidade de pessoas sofrendo do mesmo mal trancado em seus silêncios. Algumas vivem em suas próprias ignorâncias pois assim é mais fácil. Quem sou eu para julgá-las? Algumas passam por mim e quero saber mais sobre elas, quero me agarrar a elas; se estamos todos caindo em direção além da terra firme, segura e sólida, por que não caímos juntos? Venha comigo, me dê sua mão e vamos para o leste, para o oeste. Iremos nos agarrar em nós mesmos. Iremos flutuar mais alto, iremos voar mais alto. Seremos quase imbatíveis. 

O eco, então, fica mudo por um segundo, por um momento. Minha voz já não é mais ouvida e repenso em momentos que quebraram meu coração, pensando no que deu errado, em como eu poderia ter alterado os rumos do passado. Quantos corações foram quebrados nas trilhas que trilhamos sozinhos? Quantos corações foram dilacerados, queimados e partidos nas nossas incertezas e medos de cairmos? 

Em meu medo, penso que eu te amei com mais intensidade do que jamais sonhei. Mas e daí? Naquela festa, naquele desperdício de meu precioso tempo, senti mais medo do que amor. Fui egoísta em acreditar que só por meus sentimentos serem intensos, seus sentimentos a mim teriam a mesma intensidade. E apesar de doer, isso já não importa. Nunca me agarrei a você; você só me deu uma mãozinha para levantar e seguir voando em meu caminho, para chegar em terras desconhecidas, em terras melhores. Fiquei tão preocupado com a altura que nunca olhei para a direção. Então caí. E me seguraram novamente, me deram uma mão, me jogaram para outra terra. E apesar de só poder ver oceano por eras, meu medo se esvai ao pensar que tudo pode melhorar, de que eu posso ser melhor, de que haverá alguém, um dia, no dia que eu precisar, que segurará minha mão e voaremos juntos. Não há medo maior do que aquele que sentimos de nossas próprias ações. Não há amor mais egoísta do que aquele que guardamos para nós mesmos. Não há vida sem ter morte, não há caídas sem ter subidas.

Levanto-me do acento e tiro minha máscara mortuária. Dou um meio sorriso, pego um balão e volto a voar. Tiro os pés da terra firme e sigo viagem. Desta vez, não tenho medo de cair, não tenho medo das surpresas, não tenho medo de mim mesmo. Voo além do possível, voo além do imaginável. Vejo novas terras, vejo novos horizontes.

E sigo viagem.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Memento Mori



    Ele apontou a arma diretamente à minha testa. Encontrava-me uns 4 metros de distância dele, mas a arma era uma .44; ele só precisava apontar, apertar o gatinho e bum: minha cabeça se tornaria um pudim de tripas e massa cinzenta. 
    - Vamos - eu disse, fechando os olhos e dando um meio sorriso. - Atire.
    Percebi a hesitação quando não ouvi nenhum barulho e não senti minha mente quebrando em vários pedaços. Reabri os olhos e olhei para ele.
    - Vamos logo com isso. Você não disse que ia me matar? Atire!
    - Cala a boca! - ele gritou - Eu vou atirar em você se você não calar a boca!
    - Pensei que fosse atirar em mim independente do que...
    - Eu disse: CALA A BOCA!
    O rosto dele consistia de uma expressão de horror misturada com dúvida. Uma parte dele queria me matar, mas alguma outra parte fazia com que o dedo não pressionasse o gatilho.
    - Olha. Pode me matar, não precisa haver dúvidas sobre o que você quer realmente fazer.
    Ele arregalou os olhos, o braço que segurava a arma tremendo. Como não houve resposta dele ou mais um grito de "cala a boca, senão eu atiro", eu continuei.
    - Todos nós vamos morrer, eventualmente. É o preço de se viver, de se experimentar sensações diversas. De amar, de odiar. Viver é morrer, e eu já vinha me preparando para um momento como esse. No final, não importa se você matar meu corpo, pois ele é carne, e apodrece, e quebra e pode ser queimado com facilidade. Minha alma, minha mente, viverá eternamente naqueles que eu toquei, diretamente ou indiretamente. Pois é isso que importa no final: os laços feitos com as pessoas e em como você as ajudou durante seus tempos finitos e em como eles ajudaram outras pessoas e assim por diante. Então você pode atirar. Por mais que eu sinta minha morte e todos que eu conheça e tenha tocado também, quem mais vai senti-la será você.
    "Você nunca matou, não é mesmo? É, consigo ver isso de forma bastante clara em você, garoto. Está com medo da morte, como muitos de nós, mas não da mesma forma. Está com medo que você seja a própria morte de alguém e que carregue isso com você por mais tempo do que possa imaginar..."
    - CALA A BOCA! Você não sabe nada sobre mim!
   - Sei que você é jovem. Sei que você está segurando essa arma contra mim por motivos que nem você sabe, e, mesmo se souber, não são motivos seus. Nunca imaginou estar aqui, no meio da noite, roubando pessoas e chegando ao ponto de tirar suas vidas. Seu braço treme e você me manda calar a boca, mas seu dedo não aperta o gatilho nunca. E cada segundo que se passa, eu falo mais e torno esse momento mais traumático para você.
    "Deve ser uma sensação horrível conhecer alguém preparado para morrer, para deixar esse mundo, e você não estar preparado para fazer isso por essa pessoa."
    Seu semblante era de puro terror. Alguns segundos se passaram enquanto eu esperava ouvir o barulho da .44 sendo disparada, mas nada veio. Ele, um rapaz, por volta de 20 e poucos anos, cabelos pretos, barba por fazer e um corpo em necessidade, física e mental, acabou por abaixar o braço, olhou para o chão, se encostou na parede do beco que ele havia me levado e se deixou cair na sujeira, chorando fracamente e aumentando de volume.
    Eu olhei para ele com pena e fui até onde ele estava. 
    - Dê-me a arma, jovem.
   Não foi preciso dizer mais de uma vez; ele, com o rosto entre as pernas e o colo, me entregou a arma de bom grado. Abri o tambor e vi 5 dos 6 espaços ocupados por balas. Uma faltava. Então eu estava enganado sobre ele, ele já havia matado antes.
  - Eu não matei ninguém, jamais - ele acabou dizendo, ainda chorando, agora com menos intensidade, como se tivesse lido meus pensamentos. - Me deram a arma e eu atirei uma vez numa garrafa só pra sentir o... o...
    - Poder? - eu sugeri.
    - O poder - ele confirmou. - Eu... eu nunca pensei em fazer algo disso antes, senhor, eu juro. Só...
   Ele havia levantado a cabeça e vi novamente seu rosto, desta vez todo vermelho e inchado pelas lágrimas. Ele estava assombrado pelo próprio ato.
    - Garoto, eu não me importo pelo motivo que te levou a tentar fazer aquilo, mas fico feliz de não ter feito.
    Ele me olhou com um olhar estranho e perguntou:
     - Mas... mas o senhor disse que estava pronto para morrer. Era só um truque?
   - Não - respondi prontamente - não, nada disso. O que eu disse era verdade. Há tempos já fiz minhas pazes com a vida. Amei e fui amado. Tive meus filhos, meus netos. Trabalhei em algo que sempre me agradou. Comi as comidas que eu gostava, vi filmes que eu queria ver, ouvi músicas tão maravilhosas que nem saberia descrever. Vivi excelentes momentos junto com as pessoas que eu me importava; minha família, meus amigos, meus colegas de trabalho. Mas já estou velho, muitas dessas pessoas já se foram e um dia eu simplesmente acordei e percebi que, um dia, eu poderia rever todo eles em algum lugar. Não senti medo de que fosse tirado deste mundo.
   - Você sabia que eu não ia atirar...
   - Ah, sim. Sabia.
   - Como?
   - Seus olhos. Eles gritavam por ajuda e diziam, ao mesmo tempo: este não sou eu.
   Ele recomeçou a chorar.
   - Como eu disse: não me importo por que tenha quase feito o que fez. E eu poderia ter aceitado a morte numa boa, apertado os botões certo em você e ter feito você descontrolar sua raiva, mas isso seria errado porque isso te mataria também.
    - Mata...ria?
    - Sim. Mataria sua alma, seu espírito. Você já não poderia ser quem sempre quis ser. Seria mais um jovem perdido que matou um velho por causa de alguns trocados. 
    Olhei para o relógio e vi que era mais de meia noite.
    - Vou fazer o seguinte: vou te dar o dinheiro e até mesmo meu relógio, mas você me dará sua arma em troca.
    Ele parece não entender o que eu tinha acabado de dizer.
    - Pra que você quer a arma...? Não me diga que você...
    - Não, seu otário! Não é porque estou de bem com a morte que eu vou acelerar o processo e sujar o tapete da sala! Imagina só a bagunça! Só me dê a arma e faça o que eu disser. Eu te darei o dinheiro e o meu relógio, certo?
    - ...certo.
    Eu disse o que ele deveria fazer e ele chorou ainda mais. Ele se levantou, me abraçou, pegou meu dinheiro e meu relógio, e me deu a arma. Ele saiu do beco antes de mim, olhou para mim segurando a arma, deu um meio sorriso e se foi.
    Segurei a arma com minhas duas mãos, sentindo o poder que ela trazia. Um disparo, uma morte, um corpo a mais apodrecendo e sendo quebrando em minúsculas partículas. Acabei a guardando num bolso interno do meu casaco. Ninguém repararia. Então saí do beco e segui para casa.

    No dia seguinte, indo para o trabalho, estacionei no terreno arenoso perto de uma das pontes e saí do carro. Tirei a arma do meu casaco, pegando-a novamente com as duas mãos. Senti seu poder, novamente. Olhei para o céu, onde o sol dava suas caras mais uma vez, e depois para a água, que refletia alegremente o tom de laranja do sol. Peguei a arma com minha mão direita e a joguei em direção à água.
    Entrei no carro, pronto para seguir com mais um dia, pensando se aquele jovem havia me escutado.

    Anos depois, enquanto estava internado devido a um súbito problema cardíaco, um homem de cabelo bem cortado, alto, sem barba e de terno (daqueles que te vestem bem) e gravata, apareceu no meu quarto. Ele havia aparecido no horário de visitas e não era nenhum dos meus filhos ou netos... Demorei para reconhecer seus olhos. Não consegui me impedir de dar um sorriso e rir um pouco.
    - O filho pródigo a casa torna. Não pensei que iria te ver novamente, garoto.
    Ele se apoiou no batente da porta.
    - O pensamento é mútuo.
    Rimos um pouco.
   - Ouvi dizer que você vai bater as botas logo - ele disse. - Ainda preparado?
   - Mais preparado do que nunca. Ha. Faz quantos anos? Uns 3?
   - 3 anos e 5 meses. 
   - Ha. Você contou o tempo.
   - É o tempo que eu ando longe de encrencas. Bom... daquele tipo de encrencas, pelo menos.
   Ele acabou abandonando o batente, pegando uma das cadeiras e movendo para a frente da minha cama.
   - Eu fiz o que você mandou. Segui correndo para a estação de metrô e consegui pegar o último que ia pra minha casa. Coisa de segundos antes das portas fecharem. Desci na estação, peguei um táxi com o dinheiro que você me disse e parei em frente à porta de casa. Chorando, bati na porta. Quando meus pais abriram, eles quase me mataram com o tanto que me abraçaram - ele riu. - Eles haviam perguntado o que havia acontecido e eu resolvi dizer a verdade, como você disse também. Acho que nunca fomos tão unidos. Meu irmão e a mulher dele foram para lá dois dias depois e eu nunca fiquei tão feliz de estar junto deles, até mesmo daqueles filhos endiabrados dos dois.
   Ele fez uma pausa, olhando para o relógio, o mesmo relógio que eu havia dado para ele há três anos naquele beco sem saída.
   - No começo, fiquei um pouco perdido com todo aquele mundo abrindo para mim novamente, mas acabei me achando. Voltei para a faculdade e me formei um ano e meio depois. Consegui um bom trabalho com a ajuda do meu pai e fiquei noivo algumas semanas atrás. Ela está aqui, aliás. Querida! - ele gritou - venha aqui.
    Ele chegou perto e me confidenciou
   - Disse para ela esperar lá fora enquanto conversava em privado com você e depois eu a chamava.
   Uma jovem sedutora de uns 20 e tantos anos apareceu na porta do meu quarto. Ela era morena, com olhos de gato, nariz fino e lábios sorridentes. Ela era linda.
   - Essa é a minha noiva, Elizabeth. Nos conhecemos quando voltei para a faculdade e estamos namorando desde então.
    - Eddie me falou muito bem do senhor - ela disse com uma voz angelical. - Quando soubemos que estava no hospital, Eddie chorou de tristeza e já estava pronto para sair de casa e vir te visitar. Isso era umas 2 da manhã.
    Eu precisei rir disso.
    - Como souberam? - eu perguntei.
  - Minha irmã é uma das suas enfermeiras - disse a noiva. - Eddie vem te procurando há meses querendo dizer tudo que aconteceu a ele, mas apesar dele ter seu sobrenome e ele ser um tanto incomum, o senhor pareceu desaparecer na face da Terra. Ele tinha isso e um rosto para se lembrar. A história já é uma velha conhecida na família dele e na minha. Então, minha irmã acabou me ligando dizendo que você estava aqui, que ela tinha certeza que era você. Cancelamos nossos compromissos e pegamos o primeiro avião para cá.
   - Eu precisava te mostrar o que aquela noite havia feito à minha vida e como sou grato de ter te conhecido. Ficaremos por aqui o tempo que for necessário.

     Três noites depois deles terem aparecido pela primeiras vez, eu estava dormindo e tive um sonho onde um jovem com olhos tristes e assustados me apontava uma arma e queria meu dinheiro. Ele acaba não atirando em mim e escuta o antigo conselho de um velho.
    "Pegue o dinheiro e corra para a estação. Acho que você ainda consegue um metrô. Vá para casa. Use o que sobrar do dinheiro e vá para casa, para sua família. Eles saberão como te ajudar. Não se importe com as consequências de seus atos passados, seja apenas sincero com seus pais e tenho certeza que eles não te chutar pra fora. Mas diga a verdade a eles. Não há nenhuma covardia ou fraqueza em dizer a verdade, dizer que errou, dizer que os ama e que teme morrer aqui. Volte a estudar. Você me parece um garoto esperto. Vá atrás de seus sonhos. Conheça uma boa garota, chame-a pra sair sem medo. Ame-a e deixe-a te amar. Corra pra estação e viva."
    "Senhor, eu nem sei seu nome..."
    "Senhor Mori para você. Agora vai. Vá!"

    Depois disso, senti um calor se aproximando de mim e a escuridão de meus olhos fechados ficou mais escura. Senti a presença de pessoas há muito tempo me conhecidas e depois tudo clareou. O calor me abraçou e não consegui resistir a tentação de devolver o abraço e ser embalado por aqueles braços que pareciam que irão sumir a qualquer instante. Tudo clareou. Tudo clareou. E finalmente eu vi.

Então, era assim.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Atrás das grades



atrás das grades de
meus sonhos
eu vejo um rosto
que meus olhos de verdade
já haviam visto

ela é uma prisioneira
em fuga pelas
avenidas
rotas
ruas
e estradas
dos meus devaneios noturnos

quando fecho os olhos
as grades se abrem
e ela se liberta
e causa confusão
e tormento
e dor
e paz
após a morte

a prisioneira de meus
sonhos
a alma daquilo que
sinto e nego
aquela coisinha medíocre
que dizem que rima
com dor
amargor
pavor
controlador
for onde for
e que ouso dizer
"não é amor"

mas meu corpo é uma gaiola
uma prisão
um baú
fecho os olhos
e o pássaro
escapa pelos terrenos
vagos de minha mente
e adentra os
infinitos espaços
perpétuos
de minha imaginação

atrás das grades
de meus delírios
daqueles sonhos
extravagantes
apaixonantes
que eu desejava
com todo o poder
não ter
meus olhos veem seus olhos
que eu já vi com meus olhos de verdade
os olhos que enxergam carne
e enxergam solidão
e medo
mas nunca a verdade
pois são ébrios
e míopes

atrás das grades de
meus sonhos
a tranco
somente
para escapar de vez em quando
dentro de mim
para mim
e nunca para fora
onde vivemos a ilusão
de você me pertencer

sem ao menos
conseguir
te ver

mais.

domingo, 31 de agosto de 2014

Bater e correr



Não sei quando acontece, mas uma hora você olha, e lá está. Ou, no caso, não está.

Você está em algum lugar, não sei qual; não sou onipresente. Mas você está nesse algum lugar. Alguma coisa está prestes acontecer e você não sabe disso. Talvez pense que aquele seja mais um dia chato e tedioso na sua vida sistemática, boba e supérflua, mas, no fundo do fundo do fundo da sua mente, você pressente uma mudança radical vindo em sua direção, como um carro distante chegando cada vez mais perto de você enquanto tenta atravessar a rodovia; você não sabe se o carro vai te acertar se não atravessar rápido o suficiente, você apenas se sente confiante que nada disso vai acontecer, mas lá está a cena do crime: o carro bate em você e você não morre. Você sente aquela coisa acontecer e, quando acontece, não há mais escapatória; o carro te atingiu de vez. E mesmo assim, nada aparente aconteceu. Você apenas sentiu. Como se pressionassem seu peito com hélio, transformando-o num balão e fazendo você flutuar por aí sem direção. É assim que começa. Com um balão flutuando.

E então, eu algum outro lugar, em outro momento, o sentimento se repete. A batida de carro se torna cada vez mais normal e rotineira, e você ama a sensação que aquele retardado te trouxe ao te atropelar. É, você ama a sensação da batida contra teu peito, do teu coração batendo forte o suficiente para estourar todas suas entranhas. Você se lembra muito bem de quando aconteceu tudo aquilo, mas não se importa porque tudo isso é fantástico. Você se sente fantástico, quer sair e gritar pra todo mundo como um imbecil, como um alucinado. Às vezes fica com vontade de sair na rua, de madrugada e dançar. Você se sente melhor do que nunca. Mas aí alguma outra coisa acontece. Ou não acontece.

O carro que bateu em você não parou para ver se você estava bem; ele te acertou e foi seguindo caminho. Nunca descobriu nem que haviam te atropelado, e você tenta se fazer de notado. Não vai ao hospital, pois suas feridas externas são a demonstração pública de como se sente. Você quer mostrá-las ao motorista daquele carro. Você contrata detetives particulares para achá-lo. Você precisa achá-lo antes que as feridas fiquem piores, antes que o sangramento seja mais intenso e mais frequente. E quando acha, o motorista não sabe quem é você; ele não se importa quem você seja. Ele nem se lembra que te atropelou. Você mostra as feridas, ele diz "nossa, que coisa feia que você tem aí, moço. Acho melhor ir prum hospital". Você não entende, acha que ele está se fingindo de imbecil. "Foi você quem me fez essas marcas", você diz, "foi você quem me atropelou na rodovia". Ele te olha com aquela cara de "não sei do que você está falando" e diz: eu não sei do que você tá falando. Ele não percebe o que fez, e não seria o primeiro.

Só que, agora, você tem feridas radicais, sangue banhando suas roupas. Não sabe o que fazer, então tenta ligar pro motorista. Ele não atende as suas chamadas e você vai se sentindo cada vez pior. Gostaria de procurar um hospital, um médico, mas já é tarde demais; você sabe que está prestes a morrer e a dor só parece aumentar de instante e instante. As horas ficam infinitas em suas finitudes, os dias passam devagar como anos e os meses se tornam cansativos e te fazem envelhecer cada vez mais. De alguma maneira, você sobreviveu a todos aqueles ferimentos. Você anda, come, respira, vive. Sempre achou que fosse morrer a qualquer instante por causa daquelas feridas tolas, mas não morreu. Você está vivo e começa a engrenar sua rotina maçante novamente enquanto arruma os trapos que viraram suas roupas e sua vida. 

Um dia, você acorda e percebe que as marcas nunca vão te deixar, então você passa a mão pelo peito e sente todas as marcas, os cortes profundos em sua carne, que deixaram quando te atropelaram. Não há dor quando você as toca. São apenas relevos fechados em seu corpo. Marcas do passado. Tenta procurar alguma informação sobre o motorista e até pensa em ligar pra dizer alguma coisa, mas você sabe que ele não vai atender e não retornará a chamada mais tarde. Quando este pensamento te atinge, também, você não se sente mal; sente que algo acabou. Sua necessidade dele se esvai junto com o número de telefone que você queimou e jogou as cinzas no lixo. Você não sente nada porque já não há mais nada para sentir. Não há mais dor. Não há mais a magia de esperar sentado algo acontecer, de ter esperança. Ninguém a matou; ela simplesmente partiu para outro lugar sem te avisar. Você sorri por dentro e por fora. Se veste para seguir a monotonia da vida, escreve uma carta, pega as chaves, sai do seu velho apartamento, prega a carta com suas chaves na porta e parte.

Não há mais nada para procurar naquele lugar vazio e, quando você repara, já aconteceu tudo novamente.

domingo, 6 de julho de 2014

Pontos



Por volta de um horário desconhecido, entrei na biblioteca com esperanças que não podia depender. Se estava procurando por alguma coisa, meus olhos e meu coração me enganaram e me levaram para todos os corredores e livros errados. Procurei por um grande espaço de tempo, me perguntando se eu era capaz de achar a coisa secreta que estava indo atrás, esperando que eu tivesse viajado todo aquele caminho para encontrá-lo, aquele segredo, aquele horrível tesouro da qual eu não tinha pista alguma e que poderia salvar minha vida, nem que fosse por apenas alguns segundos. As palavras que eu lia lá estavam todas me dizendo "Não, você não sabia. Como você não sabia? Você se enganou perfeitamente dessa vez, meu caro. Seu amor te deixou ávido por ar puro entre as ondas da praia. Você está perdido, você está dilacerado, você está procurando por algo próximo demais para ser notado como uma resposta.", primeiramente como um sussurro. Tentei fortemente me concentrar nos livros e abandonar as palavras e seus sons desagradáveis fazendo eco em minha mente, mas elas desistiram dos murmúrios e começam a gritar em minha cabeça, me preenchendo com coisas que eu não queria pensar ou sentir naquele momento. Aquele era meu momento de paz, TINHA que ser meu momento de paz, tanto que o estava desperdiçando no lugar mais pacífico que eu poderia entrar. Eu olhei, e olhei, e olhei. Eu procurei por toda a coluna de ficção, em todos os livros sobre cinema, música e outras línguas, e nada, nenhum livro, me deu o que eu queria. Então eu olhei para as mesas e vi aquela garota lendo. Não conseguia ver seu rosto, mas vi os livros que estava lendo. Ela estava tão... concentrada, poderia lhe dizer isso olhando-a apenas pelas costas. Andei até sua direita e tentei visualizá-la. Ela era linda. Sua boca, pequena, era silenciosa, e seus olhos, seus grandes olhos claros, estavam se movendo rapidamente, determinados. Ela não me percebeu enquanto a espiava, enfeitiçado por sua aparência e pela sua maneira solitária e tímida de se sentar e ser ela mesma, sozinha entre os livros. Desviei o olhar e continuei minha procura do mesmo jeito. Enquanto estava agachado, navegando meus olhos entre as lombadas dos livros, eu a vi em outro corredor. Eu só conseguia ver sua bunda e sua virilha, quase como algo sexual visto que suas calças pretas definiam sua forma. E mesmo assim, apesar de toda a conotação sexual que aquela visão me garantiu e que garantiria a qualquer outro homem (oh, disso eu lhe garanto!), comecei a observá-la não como um perseguidor nojento, como um homem solitário que pervertia garotas em livrarias e parques, mas como um homem procurando uma resposta no jeito dela ser, agir e se mover. Mas ela não se movia, não com os pés, pelo menos. Eu sabia, simplesmente sabia, que ela estava olhando para as lombadas dos livros daquele corredor exatamente como eu estava fazendo momentos atrás. Eu sabia que ela estava procurando por alguma coisa também, tentando desenterrar uma resposta que eu podia ver da onde eu estava. Eu sabia que ela estava perdida em seus pensamentos, e me perguntei quem ela poderia ser. Qual era o nome dela? Sua idade? O que ela gostava de ler em casa? Ela tinha irmão, irmãs, pais que a amavam ou estava ali, como eu, procurando por um pouco de sanidade e paz? Que perguntas vagueavam pelo seu coração e gritavam em sua alma? Eu a fixei em meu olhar, embasbacado, maravilhado e atônito enquanto me levantava e deixava minha consciência voltar ao mundo real. Da onde eu estava, não conseguia ver seu rosto, ou o que fazia, mas eu imaginei. Ela mordia os lábios, sua mão esquerda segurando seu queixo, de forma contempladora, sua mão direita indo pra frente e pra trás, dos livros a apenas alguns centímetros de seu rosto, de forma tentadora, querendo tocar tudo, mas com medo ao mesmo tempo. Eu conseguia enxergar tudo isso claramente no olho da minha mente. Ela andou, de repente, e voltou a mesa que ela adotou e chamou dela. Saí do corredor e vi suas costas novamente, seu cabelo de cor da noite contrastando com sua pele cor de leite. Ela estava alguns passos de distância do meu toque e eu poderia caminhar por apenas dois segundos até ver seu rosto e lhe perguntar todas as coisas que eu queria. Mas meu encanhamento falou mais alto que meus anseios e desejos. Eu somente andei aqueles passos em direção a saída da biblioteca, com nada em minhas mãos e nenhuma pergunta respondida. Eu respirei, sentindo o vento brincando com minhas roupas, as levando para uma pequena dança em volta de meu corpo. Eu olhei pra trás, procurando a garota, mas estava em lugar nenhum para ser encontrada. Não poderia culpá-la por aquele súbito desaparecimento, então eu me afastei, andando todo o caminho até o ponto de ônibus. Não havia ninguém lá quando cheguei. Chequei as horas no meu celular. Estava alguns minutos atrasado; o ônibus deveria ter passado uns 5 minutos antes. Bufei. Não havia nada que eu pudesse fazer, então sentei no banco e comecei a esperar, contanto os segundos e discutindo comigo mesmo porque eu não estava andando de volta pra casa em vez de esperar um ônibus e desperdiçando mais tempo. A parte cansada de mim ganhou. Se toda aquela tarde fora desperdiçada em outra procura sem pistas, então desperdiçar mais alguns minutos não seria lá grande coisa, afinal de contas. Eu esperei e esperei, olhando para os carros, quando eu reparei em alguém sentando quase ombro com ombro perto de mim. Eu me virei e os vi; aquele cabelo de cor da noite contrastando com aquela pele cor de leite. Meu coração começou a acelerar em meu peito. Eu desviei o olhar e percebi que ela estava olhando para mim também. Um silêncio desagradável estagnou o ar. Pelo canto dos meus olhos, eu a vi mordendo os lábios, suas mãos apertando as mangas de sua blusa. Encanhamento, eu entendi. Minha voz quase saiu, dizendo palavras que eu nem havia pensado, quando eu olhei para o lado e vi meu ônibus se aproximando. Eu a contemplei, ela me contemplou e todos os meus pontos de interrogação foram cancelados dentro dos reinos de minhas dúvidas e tristezas. "Oi", eu disse, sorrindo afetadamente. Ela sorriu da mesma forma e respondeu "Oi. Eu te vi na biblioteca, não te vi?". "Sim, eu estava lá, mas não sabia que você sabia que eu estive lá. Você me pareceu... concentrada demais". "Bem, e se eu te dissesse que eu pensei a mesma coisa sobre você?". Ela estava lá, centímetros de distância, assim como meu ônibus. Ela se levantou antes de mim. Ela havia feito sinal e eu não havia reparado nisso. "Esse é o meu ônibus", ela me disse, olhando para os pés. Eu congelei, uma gota de esperança me derretendo aos poucos. "Eu tenho más notícias pra você", eu disse, sorrindo, "esse é o meu ônibus também". Seus olhos se atrelaram aos meus. O ônibus parou e as portas se abriram. "Damas primeiro", eu disse. Ela olhou para mim novamente e entrou. Esperei um pouco e a segui, percebendo que ela havia se sentado ao lado de uma das janelas, timidez em seus olhos, mas me convidando com sua essência, com tudo o que ela era e poderia ser, para me sentar ao seu lado. Eu fui atrás dela e desisti de meus sonhos tolos. Eu sabia que nenhum sonho seria mais agradável do que aquele momento, então eu atravessei todo o caminho, sentei-me ao seu lado, sorri e fui para casa, perdido nunca mais.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Poema com nome de batom



ela se fazia e se arrumava
todas as luzes em sua volta
entrando por seus olhos
exclamando: ah! o amor!
meu amor!
pegava um leque e se abanava
uivava músicas de romance
antigas tocadas na rádio
passava o batom com delicadeza
vermelho
ruby.
woo!, ela gritava
e se aprumava como aprumava sua vida
colocava um vestido
sexy, selvagem, preto
vulgar
e ela se sentia tão viva!
ah! o meu amor!
ela olhava e se apaixonava
pelo seu reflexo
nunca fora tão bela;
nunca fora tão ela
e quando a hora chegou
ela levantou as cortinas
saiu do quarto
seu casulo
e voou, livre
ah! o amor!

E lá estava o rapaz de grande formosura
Não se esperava nada mais daquela galante figura
De terno e gravata esperava paciente
Que sua amante se tornasse presente
Tanto que a viu e encheu os olhos de lágrimas
Pois é que a via, e os poetas ficariam sem rimas
Podendo nunca, jamais, expressar com exatidão
O fogo que ela causava em seu coração
Linda ela era e linda sempre fora
Ela era dele, disso ele sabia bem agora
Ele não tinha palavras, apenas uma expressão
Abestalhada de pura paixão

- Meu deus, como está linda! - ele exclama.
- ah! meu bem! você que é minha chama! ela declama

já jantavam
o olhar dele perdido
em
suas curvas
seus lábios
vermelhos, ruby
woo, ela grita por dentro
voando entre os espaços
abertos do salão
de festas
ela quer dançar
seu vestido, preto, vulgar
selvagem
uma borboleta rara numa terra
desconhecida
e uma chama a chamando
ah! meu amor! oh! amor!
e as antigas canções da rádio
tocando
a histeria em suas cordas vocais
ela quer gritar
e ser livre

Ele a observava com muito mais que ternura
Aquela borboleta selvagem, doce criatura
Seus lábios, vermelhos, o atraiam
Enquanto muitos dos pensamentos fugiam
E as únicas coisas que permaneciam em sua mente
Era o quanto não a ter conhecido antes era deprimente
Ali estava ela e ele não poderia estar mais apaixonado
E seus sonhos pareciam ter finalmente se concretizado
Pois era amor, ele podia ouvir a voz
De sua mãe, rugindo em seu ouvido, feroz
Sabendo que era verdade e seu coração era um tambor
E aquilo só poderia ser amor.

ah! meu amor!
Minha querida, doce amor.
não pares e não me deixes!
Nunca faria isso, seja o que for.

E rolaram pro declive e buraco sujo.
Infestado de insetos
sonhos
pessoas
e coisas inexplicáveis.
Eram os dois, embalados, cercados pelo terror
e ninguém prestava atenção a música de fundo
Pois aquilo era, finalmente, para eles
E nenhuma poesia de ambos conseguiria definir
A que ponto que chegaram e se perderam
Uma borboleta selvagem, sem respeito
revolucionária
Um galã carismático, sonhador
estável
Onde reinavam na imundice do mundo
e uniam o que eram, o que foram e o que seriam
Numa dança vermelha e terna
Onde sujos eles estavam e não ligavam
Pois o texto era deles
o pretexto era deles
Era finalmente para eles
Eles finalmente eram deles
Se sujando de sangue das feridas abertas
no meio do porco mundo que habitavam
dos velhos problemas que ignoravam
das catástrofes iminentes
e eles só pensavam:

ah! o amor! Doce amor.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Resenha literária: Eleanor & Park (Rainbow Rowell)

Já tinha ouvido falar sobre "Eleanor & Park" antes de comprá-lo. Acho que fazia uma semana desde que eu havia visto uma lista com os, ditos, 40 melhores livros Young Adult (YA) e "Eleanor & Park" estava no meio. Não lembro a posição exata e nem lembro o que eu achei na hora; lia o site pelo celular e mais estava preocupado em saber se algum livro que eu gostava estava na lista do que procurava por novos livros que me impressionassem. Mas, na semana seguinte, estava no centro da cidade e me dei por entrando na livraria procurando alguma coisa diferente, qualquer coisa que eu não soubesse nada sobre, e acabei me deparando com este livro. O que me fez pegá-lo não foram as palavras de John Green na capa, nem nenhuma das outras frases atrás (ou até mesmo o logotipo do Omelete, rs). Eu o peguei porque 1) os desenhos da capa me lembraram uma música 2) a guria, a tal da Eleanor, era ruiva 3) não tinha informação alguma sobre o que se travava de verdade a história na contra capa 4) estava de bobeira e 5) parecia que o livro tinha acabado de chegar lá na livraria. Então, pensei comigo "por que não?". Paguei e saí feliz.


O livro, como já falei, é YA, ou seja, uma literatura dedicada aos "jovens adultos", aos adolescentes com seus mais de 15 anos e para os adultos com seus vinte e pouco, geralmente tratando de personagens mais complexos e situações (bem) mais adultas do que aquelas em livros infanto juvenis. "Eleanor & Park" não sai disso. 

Você tem a menina, Eleanor, filha mais velha entre 5 irmãos, ruiva, gordinha, com pais divorciados e morando com a mãe, que mora com um bêbado e drogado chamado Ritchie. A situação de Eleanor é extremamente complicada; ela é, basicamente, a complexidade da história. O tal do padrasto bate na mãe dela, é controlador com todos, principalmente com ela, além de ser um tremendo filho da puta (expressão totalmente necessária aqui). Ela, os irmãos, a mãe e o padrasto moram tudo numa casa só, ridícula de pequena, onde todos os irmãos dormem no mesmo quarto, onde não há comida o suficiente para todos, onde o banheiro minúsculo nem tem porta, onde liberdade é apenas uma palavra. Eleanor não tem roupas decentes para vestir, então utiliza roupas velhas e rasgadas, de maneira excêntrica, ligando os holofotes em qualquer lugar que passe. Fora tudo isso, ela ainda é zoada diariamente na escola devido a apar~encia física. Vida perfeita.

Na contramão, você tem Park, mestiço de coreano, baixinho, que faz taekwondo, tentando tirar sua carteira de habilitação e vivendo com seus pais e seu irmão mais novo, que é mais alto que ele. Ele lê quadrinhos (X-men! Watchmen!), ouve músicas (The Smiths! New Order!) e se satisfaz em sentar no banco do ônibus sozinho. 

A história desses dois começa no primeiro dia de aula da Eleanor, onde ela entra no ônibus que vai para a escola e não há lugares para ela se sentar (afinal, todos já escolheram seus lugares e praticamente escreveram seus nomes neles), o que a faz se sentar do lado de Park, que dividia um banco pra dois com ele e ele mesmo. A primeira impressão que cada um tem do outro é negativa. Eleanor considerada Park grosseiro e Park nem quer ser visto falando com ela. Mas, com o tempo, eles acabam encontrando um meio de se comunicaram com o silêncio. Park leva quadrinhos para o ônibus e Eleanor vai lendo com ele. Depois ele deixa que ela leve-os para a casa dela e começa a emprestar fitas para ela ouvir (não disse que se passava no grande ano de 1986, né). E assim vai nascendo esse relacionamento tão estranho entre os dois, na qual ambos tem vergonha de falar um com outro, ainda mais em público, e seus contatos são apenas as músicas, as histórias e seus significados, até que um dia se toquem e percebam que suas primeiras impressões estavam erradas.

"Eleanor & Park" é um livro agradável de ler e que vai, lentamente, construindo o relacionamento dos dois, sem pressa alguma. A contra capa, se você chegar a ler, acaba dando um pequeno spoiler de como a história vai acaba, se bem ou mal, com eles juntos ou separados, mas nada que estrague por completo o andamento do livro ou que faça você jogar o livro na estante e pegá-lo 20 anos depois. Eleanor é uma personagem cativante, com um verdadeiro labirinto na cabeça. Park não cativa tanto quanto Eleanor no começo, mas a mudança que ele vai tendo em relação ao próprio comportamento e ao que ele quer de verdade, o torna mais agradável com o andamento do livro. Em suma, "Eleanor & Park" é uma história legal entre dois jovens com absolutamente nada a ver um com um outro, com alguns momentos de riso, nenhum momento de choro (eu pelo menos não derramei uma lágrima, me perdoem. Só fiquei puto com o tal do padrasto) e um desenvolvimento, tanto da história, quanto dos personagens, muito bom. O peguei de maneira muito aleatória na livraria, não me arrependo, mas ele acabou não sendo aquele livro que eu esperava que fosse ou que eu queria ler de fato. Para quem estiver interessado em livros young adult e que não tenha mais nada para ler, é uma boa opção para passar o fim de semana ou alguns dias lendo, já que dá para lê-lo bem rápido.

Ah! A música! A música que me fez comprar o livro é a conhecidíssima Young Folks, do Peter Björn and John. O interessante é que se você pegar a letra e os pensamentos de Eleanor, há inúmeras semelhanças.  

"If you knew my story word for word 
Had all of my history
Would you go along with someone like me" 

Nome do livro: Eleanor & Park
Autora: Rainbow Rowell
Editora: Novo Século
Número de páginas: 328


Nota: 7,0 

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Maratona Literária!

Uma das coisas que eu sempre quis fazer com o blog era adicionar conteúdo cultural (cinema, televisão, livros, música) nele. Com o passar o tempo, fui apenas colocando mais e mais textos, deixando de lado essa ideia de conteúdo adicional já que há trocentos mil blogs e sites falando dessas coisas. Os textos eram o meu diferencial, de certa forma, então me apoiei neles e apenas neles. Só que agora eu acho que achei ("acho que achei") uma oportunidade de finalmente colocar em ação aquilo que eu queria.

Lá no começo deste ano, me deparei com uma maratona literária. Eu tinha que escolher 5 livros e lê-los em um determinada espaço de tempo. Acho que eram duas semanas. Não me recordo ao certo. Apesar de não ter conseguido alcançar a meta (procrastinação), gostei da experiência e até repetiria. E pois bem, é exatamente isso que eu vou fazer.

Lançaram recentemente a versão "Eu sou doideira" da maratona literária. Nessa nova maratona, eu tenho 15 dias (de 1 a 15 de junho) para ler não 5 livros, como na última vez, mas 7! É praticamente um livro a cada dois dias. É loucura demais, mas aceitei e vou usar isso para aumentar o foco do blog pois não ficarei apenas lendo os livros: eu irei fazer resenhas. Se não for de todos, de pelo menos uns 3 ou 4 eu vou fazer, então vai ter bastante postagem em relação a isso aqui no blog.

E se você estiver se perguntando sobre a maratona, se estiver afim de participar, pois ainda dá tempo, é só entrar neste link aqui. Está tudo explicado pelo organizador, desde as datas, quantidade de livros, o que fazer e até formulário de inscrição para tornar tudo oficial, lembrando que o verdadeiro objetivo da maratona é se divertir e diminuir aquela fila gigante de livros que você tem pra ler, mas tem preguiça demais de avançar. 

No meu caso, os livros escolhidos foram estes aqui: 


Tenho certeza que o que mais vai me perturbar será Saco de Ossos, do Stephen King. Já me falaram muito bem sobre ele, mas ele possui cenas e sentimentos que às vezes perturba o andamento da leitura e você tem que deixar pra outro dia. De resto, eu escolhi: a trilogia Dragões de Éter porque estou enrolando com ela desde 2011, ou seja, desde que eu a ganhei; Eleanor & Park porque comprei recentemente e me parece ser uma leitura gostosa; Todo Dia porque vejo muita gente falando positivamente desse livro e me chamou a atenção (além de ser curtinho); e Os Filhos de Anansi, do Gaiman, escolhido exatamente por ser do Gaiman. Espero que eu consiga dar conta dos sete, já que, juntos, eles dão quase 3 mil páginas. 

De resto, fiquem ligados! Meu twitter está aí do lado da postagem, onde você me verão xingando o andamento da maratona (porque com certeza eu irei procrastinar) e farei as postagens com as resenhas. Se eu achar um tempo entre as leituras, resenhas e horas de sono, postarei textos também, sempre nos domingos a noite.

Longos dias e belas noites. 
Boa sorte pra quem participar.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Dicionário suburbano: hipsters e indies

Hipster é um hippie meio punk com uma pegada alternativa que adora música que ninguém conhece, anda de All Star, não faz a barba (homens) e possuem cortes de cabelo exóticos e excêntricos geralmente com duas cores ou mais (mulheres. E alguns homens). O hipster gosta de dizer na tua cara que ele gostava de uma banda chamada "Los Arcade Monkeys of the Stone Killers of Leon" quando ainda lançavam as demos do primeiro álbum e que você só foi "descobrir" a banda no terceiro disco, que ele considera o mais o pop, fazendo com que ele não goste mais da banda, se lembrando, com doçura, dos primeiros momentos da banda, como se tivesse ido em todos os shows apesar da banda ser francesa e nunca ter feito shows na região que ele mora. 

O hispter também é aquela criatura maravilhosa com um óculos de aro grosso da Apple e que possui um iPhone 5S, três iPads, dois Macs e uma conta bancária suficiente para que ele mantenha seu guarda roupa cheio de roupas xadrez, Converses, calças que apertam o saco (homens) e calças que entram na bunda (homens e mulheres), além de manter o look sempre fantástico e além da moda, pois eles ditam a moda. Passam a eternidade dentro de um Starbucks enquanto fingem escrever um best-seller do New York Times em seus Macs e recebem toda a glória do saber universal de um shopping, mas na verdade estão no twitter postando sobre como suas vidas são miseráveis porque a barista escreveu o nome deles sem acento no copinho. 

O hipster também é aquela criatura cameleão que já mudou todo o seu padrão de vida e de estilo enquanto você lia este texto. 



Indie é um hipster mal resolvido, com atitude "I don't give a fuck, let's fumar", que sai correndo quando tá passando show do The Killers na tv e que parece bastante com um hipster, principalmente por causa da barba cheia, dos óculos de aro grosso, dos cabelos exóticos/excêntricos e dos All Stars (que cada vez mais são trocados pelos excelentes coturnos), apesar de que o indie nem sempre é rico e não desiste de uma banda logo depois dela fazer sucesso entre as pessoas da massa e ter suas músicas tocadas na rádio 6 vezes por dia. 

O indie usa jaqueta de couro, roupa xadrez, camiseta de banda rasgada por ele mesmo, calças jeans já rasgadas quando ele comprou, saias jeans, shorts jeans e tudo mais que tiver jeans e for rasgado ou tiver um corte diferente do normal. Ou que tiver o logotipo dos Ramones. Usam pierciengs e brincos e possuem tatuagens que não são tribais e nem são o nome do ex que eles tem que esquecer e por isso fazem uma tatuagem tribal por cima do nome do ex, ficando uma coisa linda e maravilhosa de se ver. Parecem aficionados pelo punk apesar de serem mais bonitos, mais bem vestidos e mais hipsters. Usam coroas de flores, como hippies, e óculos aviador. Possuem uma atitude rebelde, andam de busão e de metrô sem problemas, acham o twitter melhor que o facebook e querem sempre ir no Lollapalloza mesmo que as bandas sejam uma merda e que só os hipsters conheçam.

Gostam de música alternativa, variando do indie rock ao indie pop, indie metal, indie eletrônico, indie folk, indie blues, indie funk e qualquer coisa que tiver "indie" no nome, seja rápido, seja lento, e que tenha um vocalista chamado Alex na banda. Gostam de MPB, de filmes estrangeiros, de viver a vida ao extremo (já dizia a banda indie, "As Pancadas": you only live once), de festas estranhas com gente esquisita e música indie, de outros indies, de pessoas chamadas Alex e do Arctic Monkeys.


domingo, 25 de maio de 2014

Ela



Era aquela eloquência de sempre. Correria, celular tocando, roupas jogadas para todo o canto até encontrar uma que preste para seguir o dia. Era sempre assim, aquela rotina massiva e maçante que matava. Era possível até encontrar um amigo no meio do caminho, mas já sabia que as coisas já não eram mais as mesmas havia alguns meses. Seu último namorado a traiu. Os amigos já não ligavam mais porque estavam com suas namoradas e namorados. Os pais estavam de férias sem prazo de validade e ela estava jogada pelos cantos de uma vida tediosa e sem ninguém.

A mesma nota musical todo dia. Fá. Sol. Lá. Fá de novo. Lá bemol com 4ª. Quarta feira, dia de descanso ou de retardação? Ou apenas mais um dia para fugir pelas ruas desertas nessa cidade abarrotada de pessoas? Era sempre aquilo, não havia mais. Os banhos eram os mesmos. Não havia inspiração para cantar, nem no chuveiro. Quando achava que poderia parar, se apaixonar, encontrar alguém, viver a vida, nunca acontecia. Ela era muito fugitiva. Ninguém a pegava, nem desprevenida. Apenas aquela palavra a pegou e começou a esmagar sua existência.

Solidão, ela gritava.
Solidão.

Dia após dia, hora após hora, ela pensava o quão desgastante sua vida havia se tornado. Mesmo trabalho, mesmo carro, mesmo café, mesmo almoço. As pessoas eram sempre as mesmas, sua vida não andava para outros lugares: simplesmente fazia o mesmo percurso de ida e volta havia muito tempo. Ela já não sabia quanto era muito tempo.

Com ainda mais tempo, foi se tornando amarga. Amar já não era uma coisa boa e possível. Era impossível e triste. As amizades se rompiam ainda mais com o passar das estações e ela foi se desbotando, perdendo cores, se tornando negra como o café que tomava de manhã, como o céu noturno que ela nunca pode compartilhar, como o véu que usou quando desistiu de lutar.

No dia que simplesmente entregou a toalha, ela já não vivia mais. Tinha 27 anos quando sua vida virou um terror em sua própria existência. Tinha 31 quando já não tinha cores para doar, apenas dores. Tinha 32 quando desistiu. E tinha 48 quando um assalto a mão armada a pegou num supermercado. Ela não sentiu medo, não resistiu; se doou inteira. Um moleque, talvez com 18, 19 anos, não resistiu. Apertou o gatilho. Quando ela veio a cair, fria, no chão, o sangue era negro. Mas ela não sentiu mais nada. Ela já estava morta antes do tiro.

domingo, 11 de maio de 2014

Este não é para você



Todas as canções perdem a rima quando ficam gastas de tanto serem cantadas. Você não as canta com sentimento; as canta com obrigação.

E esta não é para você
E não fala do teu olhar sorridente
Nem do teu sorriso espontâneo
Ou das pequenas covas em volta
de sua boca
Ou, quem sabe, nem dos teus cabelos
brilhando com o sol
iluminando com a lua
voando com o vento

Não fala, nem por um momento
dos teus sonhos de crescer
e fugir de todos os locais
que nunca te acolheram
Ou fugir de todas as falsidades
que a humanidade
disparou ao teu redor.

Esta canção não é para você
E nunca foi e nunca será
Pois não falo de meus sonhos constantes
Com teu ser
com teus lábios
com nossos corpos nus
dançando ao ritmo da música

Não
não é você.

Talvez seja para uma
febre repentina
Uma que tira de todos, tudo
Coloca você na estrada errada
Na rua errada
Com as pessoas erradas
Conversando sobre as coisas erradas
Enquanto você fica bêbado só de cheirar a atmosfera
E quer sair do local correndo
Mas está preso
E só faz uma canção de suas memórias banais
Faz um poema
Uma poesia
Desenha com as letras
ao
redor
do
tecl----ado
Mas nunca será para você que todos escrevem
Nem para você que eu escrevo
Nem para tua irmã
Ou tua mãe
Ou tua prima
Ou para o amor que nunca conheci igual e que
você
des
conhece

Para todos aqueles bandidos que tentam roubar tua glória, só dizemos: não, não faça isso, e somos roubados, pois somos fortes quando viramos as costas e fracos quando olhamos no rosto.

E então nada disso é para você
Nem as lembranças
Nem a canção
nem o poema
muito menos o texto
ou minha vida
ou as dores que me causou
ou as mortes que causou
ou as casas que queimou
ou os óculos que quebrou
ou as vidas que arruinou
Se nada disso é teu
você só tem você para ser sua
pois não há mais ninguém
para partilhar a dor
tão profunda de ser você
e apenas você
e você
e você
e sempre você.

Para todo o amor que já guardei
talvez para você
este agora com certeza não é para você
mas um dia deve ter sido teu
Teu e de mais alguém antes
E de mais alguém antes
E antes
E antes
E antes
E antes e antes e antes e antes e antes
E antes de esquecer que amanhã haverá um
Próximo dia
E amarei no próximo dia
e no próximo
e em qualquer outro.

E já me senti amargo, mas minha língua era doce
as palavras que saiam era doces
e azedas
e nunca dirigidas a você
Ou a você
Ou até mesmo a você
mas sempre sobre você
Ah, lembre-se de minha língua doce
Das minhas palavras de amor
que tocavam teus ouvidos
tua alma
teu ser
e faziam de você minha
ao contrario disto que é teu
e nunca será

porque a canção cansa e canta e dança. apesar de boas intenções, de boas lembranças, de boas vidas, elas cansam quando não compensam, elas ficam exaustivas. e quanto mais as repito, esses sons sem compensação, sem sensação, sem emoção, mais as canso, mais me jogo de canto, mais perco o meu descanso dançando as mesmas notas. essas canções sempre acabam. os discos continuam girando, a banda não para. você pede bis, e bis e bis, e cansa e não canta mais. o verso se torna descomprometido com a banal repetição. a rima se esvai. o doce te larga. a pista de dança tormenta tuas pernas e você está quase a cair. a canção não é mais para você. troque de canção se a canção já perdeu seu valor de canção. bote teus sapatos de dança. teus sapatos de dança vermelhos e dance os blues, dance. dance aquela que não é para você. nem para mim. dance, pequeno mentiroso. dance, a canção é tua.

E esta canção um dia deve ter sido tua.
Certeza que um dia já foi.
Pelo menos em minha mente
e em meu grande mar de amar
Mas este texto não é para você

É para mim
E escrevo sem fim;

domingo, 4 de maio de 2014

A par



Não é por menos que ficarmos sentados no banco da varanda era muito mais expressivo do que dizer palavras sobre o que sentíamos naquele momento. Era como a queda do breve estoque de amor que havíamos guardado, ou que pelo menos eu tinha e ainda não me arrependia. Não sabia o que fazer depois daquilo. Pensei em me levantar e ir embora para o todo e vamos-lá-todo-mundo sempre. Só que o sempre é uma mentira furada que contamos para nossos filhos e netos quando eles estão na cama e querem ouvir histórias fantásticas. Aquele banco era a representação da nossa tal abençoada ignorância das coisas, ou pelo menos da sua ignorância e repressão interna. Nunca brigamos porque nunca houve verdadeiro amor naquilo tudo. Talvez um pouco de saudade física de ambos os lados. Um joguinho de tensão e líbido para esquecer do pavor imenso de sentar sozinho para almoçar na própria casa num domingo ensolarado.

- Não sei o que fazer - ela me diz com aqueles olhos arranhados de maresia tardia, - juro que não sei.
- Bom, você poderia ficar quieta - eu respondo ela, como se ela tivesse feito uma pergunta, como se ela tivesse merecido o tapa. Sua cara ficou vermelha, os olhos mais arranhados, emaranhados naquelas lágrimas de crocodilo que ela usava a todo instante.
- Bem, como você se sente?
- Péssimo, e espero que você se sinta assim ou pior.
- Por que tudo isso?
- Entregamos nossos corpos para completar um buraco que nós mesmo cavamos. Eu precisei de mais. Você não. Eu te amei, você não.
- Eu te amei - ela revidou.
- Lógico.

Foi então que eu levantei, a garrafa de cerveja ainda na minha mão, ainda com o terno e com a gravata. Virei para ela e a vi com aquele vestido branco e azul, uma beldade aos meus olhos opacos. 

- Podemos seguir em frente - eu digo finalmente.
- Para onde?
- Você, eu não sei. Quanto a mim, para longe daqui.

E saí pelo portão como se saísse de uma vida de coisas fixas, de calendários e datas marcadas, de convites de casamento onde eu respondia que sempre iria com alguém. A festa havia acabado e não podia negar que sentia rancor. O sol estava se pondo, e minha crença do para sempre também.

- Podemos nos encontrar algum dia - eu digo ainda com a garrafa de cerveja na mão e já fora da varanda, já na rua. Quero andar, sentir o vento -, mas não gostaria. Boa vida.

Fui seco na despedida. Ela não disse nada. Não virei para trás. Ninguém precisava fazer isso. Eu era teimoso e ela uma imbecil. Casal perfeito em muitas imaginações, inclusive na minha. 

Então brincamos de seguir em frente, como uma nostalgia, uma frente fria, uma possessão além do nosso controle. Até o dia que nos vimos e nos reconhecemos de um passado distante. 

- É bom te ver - ela me disse.
- É, bom te ver também.

É engraçado como coisas antigas parecem novas e como sentimentos se escondem nas fissuras mais tensas do teu coração, esperando um pouco de ar para pegar fogo e nunca mais sair da combustão. 

Quando me vi, já havia me queimado.

domingo, 13 de abril de 2014

À vista já tarde

Estava sentado no café tendo uma conversa interna com meus vários eus enquanto discutia bravamente com um saquinho de açúcar que não queria abrir. Sentava-me bem no meio do café, com meu assento apontado para a porta. Toda a vez que o sininho dela batia, eu levantava meus olhos e via quem entrava ou saía. Discuti mais um tempo com o açúcar que colocava em meu café, tentando deixá-lo nem tão doce e nem tão forte. Quanto terminei minha briga, na qual eu venci, comecei a criar um redemoinho na caneca com uma colher. Fazia isso enquanto mantinha meus olhos atentos à porta. Vi rapazes entrando sozinhos e saindo sozinhos. Vi algumas garotas entrando em grupo, saindo sozinhas, com antecipação. Eu olhava para todos que ousavam entrar e sentar. Que pediam alguma coisa para beber ou comer. Olhava-os todos com uma determinação forte e vulgar. Imaginava quem eram, onde iam, o que faziam para ganhar o dinheiro. Imaginava cenas de amor e esperança com aquelas pessoas. "Ei, talvez eu pudesse sair aqui e ir falar com ela. Ela parece ser legal", eu discutia comigo mesmo. "É, mas você nem conhece ela. Fora que ela está com as amigas"."Tem razão. Deixa quieto. Mas aquela ali parece formidável e se..." "Não, cara. Não". "Tá certo, tá certo..."

O tempo passa, eloquente, desvairado e atrasado por toda a trajetória dos meus pensamentos. Tomo um. Dois. Três cafés. Chego no quarto. Começo a escrever. Foco nas pessoas, em ações, em retaliações. Talvez hoje a noite alguém queira se vingar. Aquela moça de vermelho com certeza tem o coração quebrado e encharcado de álcool. A amiga dela só a trouxe aqui porque ela acordou com uma ressaca monstruosa e precisa colocar um rumo em sua vida. Aquele outro rapaz parece transtornado. Talvez alguém que ele conhece e se preocupe esteja no hospital. Uma vítima de um acidente de carro logo de madrugada. O outro motorista estava bêbado. Não. Clichê. A pessoa que ele gosta estava bêbada. É o irmão dele. Tinha acabado de passar na faculdade e tinha comemorado. Os amigos deixaram ele sair do jeito que estava porque, afinal, era o dia dele e eles todos estavam meio embriagados. Ele entrou no carro e depois de passar por 18 quarteirões e 3 sinais verdes, ele passa por um vermelho sem se importar e colide com o outro carro vindo a sua direita. Com sorte, ele não ficou muito machucado, apenas algumas fraturas pequenas. O outro motorista quase nem se machucou devido ao air bag, mas está pensando em processar o irmão bêbado do rapaz no café pelos danos sofridos, tantos no carro quanto morais. Por causa da batida, ele perdeu o nascimento do segundo filho. A mulher ficou nervosa, revoltada por ele não estar lá na hora, mas ficou muito feliz de segurar seu filho.

Eu foco em tudo, eu foco em todos. Vejo três casais saindo, dois entrando. Vejo uma morena esbelta e linda entrando, perguntando alguma coisa pra uma das atendentes e logo depois saindo. Eu vou escrevendo em meu caderno suas aparências, suas atitudes. Não gosto das repercussões de escrever num notebook ou num tablet. Prefiro a folha de papel. Imagino meu mundo com cores e o rabisco em traços pretos, quase borrados, pelo cenário branco do caderno. Ignoro linhas, ignoro tamanhos. Vou apenas escrevendo e pensando e sentindo e respirando e vendo as pessoas passarem tão belas só belas enquanto escrevo nem pontuo apenas para escrever o mais rápido possível e deixar todas as ideias no papel antes que elas se vão e se reprimam em alguma parte do meu cérebro que eu não consigo desvendar e fiquem perdidas pela eternidade até que um dia eu as sonhe e as esqueça de novo sem pontos ou vírgulas ou pausas Ou Sentido nas maiúsculas Porque elas não precisam Ter sentido Enquanto Vou escrevendo.

De repente, ouço o sininho do café. Levanto a cabeça e a vejo, a mulher mais linda que já vi na vida. Gostaria de caracterizá-la, mas minha central de informações acabou de travar. Eu só tenho olhos para ela. Se ela quiser, eu sou dela. Pode me levar para qualquer lugar. Ela vai entrando e olha para mim. Eu com certeza devo estar babando. Ela abaixo a cabeça, reprime um sorriso, levanta a cabeça de novo e sorri em minha direção. Eu entro em delírio, em êxtase. Minha musa vai andando e se encontra com grupo de amigos que se senta à minha esquerda, mas ainda dentro do meu campo de visão. Eu continuo os observando, A observando. Ela senta e olha mais uma vez para mim, sorrindo aquele sorriso que me tornou totalmente dela em questão de segundos. Eu abaixo o rosto. O contato visual vai me arruinando. Tento me focar em outras coisas e me sufoco em esperança, medo e vontade de ir até lá, pegá-la pela cintura e beijá-la. Resisto a tentação. Foco-me na mesa, seguro a caneca de café com força. E do nada eu vejo uma silhueta se sentando na cadeira a minha frente. É ela. Eu sei que ela e ela me diz oi e eu morro por dentro deus eu quero pegá-la transformá-la em minha namorada minha amiga minha alguma coisa minha alma minha só minha meu amor minha musa minha esposa minha eterna meu sentido de viver essa vida meu ar. Eu digo oi de volta e ela me sorri de novo, daquele mesmo jeito de antes. Ela me pergunta algumas coisas, já nem lembro mais o quê. Eu respondo. Faço minhas perguntas. Ela se confirma em minha mente. Vamos conversando e conversando até todos os amigos dela na outra mesa terem indo embora, o café estar quase fechando e ser quase outro dia. Saímos e andamos pelas ruas. Vamos caminhando até o meu prédio porque é mais perto. Convido-a a entrar. Ela entra. Ela repara na minha coleção de cds, elogia meu gosto musical. Vê meus livros, tantos e tantos livros. Ela começa a falar sobre eles enquanto eu percebo que ela com toda a certeza do universo é a tal. Pego um pouco de vinho, encho suas taças, sentamos, tomamos e nos beijamos. O beijo vai se aprofundando, ficando mais intenso, mais sensual, mais sexual. Quando reparo, estou nu em cima dela e ela nua, se abrindo para mim. Rolamos pela cama até estarmos cansados e então eu durmo.

Quando acordo, estou no café e ela, aquela que levei pro apartamento, passa pela porta, segue reto pelo corredor até achar a mesa dos amigos, a mesma mesa de antes. Beija o namorado e começa uma conversa animada com todos eles. Sonhava tanto acordado que não soube logo que tudo que se passou foi apenas um sonho. Eu a amei durante a eternidade breve daquele devaneio de um jeito que eu nunca tinha amado alguém de verdade. Imaginei coisas e a amei. É. Sobretudo eu a amei. Ela era de verdade, ela era real, menos em minha vida. Meu desapontamento ficou forte demais e eu me levantei da mesa. Fui até balcão enquanto pensava não Nela, mas nas Outras, aquelas mulheres que fizeram parte da minha vida e deixaram pequenas ou grandes cicatrizes metafóricas pelo meu ser. Todas elas se vão, até as fruto da imaginação. Apoiei-me no balcão, perguntei quanto eu devia ao meu amigo, dono do café. Ele disse que era por conta da casa porque ele sabia que eu gostava de lá fazer meu trabalho e fazia minha propaganda habitual. Eu agradeci, e quando me virei, a Moça apareceu na minha frente segurando o celular nas mãos. Ela me sorriu um sorriso, do mesmo jeito que eu imaginei, e seguiu em frente enquanto digitava no celular. O namorado surge logo depois. Eu vou andando, dando pequenas olhadas para trás e saindo até chegar à porta. Saio do café e paro. Não sabia exatamente o que fazer. Trabalhar mais escrevendo sobre pessoas que eu nunca iria conhecer de verdade para botar em meus livros de verdade? Ir para casa e sonhar mais sonhos acordados ou sonhá-los dormindo? Ir até o bar que me convidaram para ir semana passada e passar a conhecer gente de verdade que não me agradaria, mas, possivelmente, elevaria minha libido e me daria um pouco de satisfação? Todas as alternativas me parecem ser horríveis, excluíveis, tanto em relação ao que eu quero quanto ao que eu sou. Decidi então voltar para casa, onde poderia sonhar em solidão com meus amores imaginários.

A vocês, aos meus amores imaginários, minhas saudações e meus agradecimentos. Minha vida seria mais vazia sem o vazio que vocês me causam e preenchem.

domingo, 23 de março de 2014

De pijamas a noite

Depois de tantas noites de medo
Inseguro embaixo das cobertas
Tento abrir a
porta
janela
luz
E me permito um pouco do além do que vem
e do que se vê

Eu digo
"olá, olá
como vai você?"
E não ouço resposta além do silêncio
absurdo
que compartilho todos os dias com
meu coração inquietante
no ex-escuro de minha prisão
domiciliar e incompleta
aberta agora, mas extremamente ausente

Repito o chamado
Chamo por alguém
com pressa
mas a resposta é sempre o silêncio
no ex-escuro aberto a claridade
a fatalidade da realidade
a reação dos medos ao que é verdadeiro de verdade

Depois de tantas noites de medo
Já percebo as coisas claramente
No escuro
Fecho a janela
Me cubro
E desligo a pequena ausência que senti
por dois segundos
daquele mundo inseguro e brilhante

Uso os cobertores como proteção
e dirijo meus sonhos pela contramão
do sonho americano

domingo, 16 de março de 2014

Arrefecer



Você passa todo aquele tempo remoendo ideias em sua cabeça. Qual será que daria mais certo? Passear pelo frio noturno ou simplesmente fugir e se esconder debaixo das cobertas? Você olha pela janela, sente o vento frio entrando por baixo da porta e seu coração de repente congela. Uma parte de você quer simplesmente esquecer. A outra quer se esquentar, mas não ali. Não, ali não dá. Muitas coisas aconteceram ali. Tenta achar um outro jeito de fazer as coisas e começa a pensar em tudo aquilo que tinha ali, que tinha em você e que tinha acontecido. Você revê um beijo roubado no escuro dum domingo perto da sarjeta. Recorda uma sensação de calor de quando o via vindo em sua direção. Relê em sua mente uma série de conversas ocorridas na calada da noite, no alto da madrugada enquanto ambos morriam de sono e não conseguiam simplesmente dizer "até mais, a gente se fala quando eu acordar". O flashback parece durar eternidades quando você é despertada e percebe que ainda está olhando pela janela para o caos de pessoas lá fora do bar. Está frio, talvez uns 15 graus. Você se aquece com um casaco de lã e cachecóis. Começa a esfriar cada vez mais e você sabe que daqui algumas horas o frio será insuportável. Se arrepende de ter saído de casa para tomar alguma coisa quente, alguma coisa que fizesse esquecer algo que nem mesma você sabe. Você simplesmente está cansada e lembrar das coisas não ajuda a passar pelos dias gelados que batem na sua porta e entram sem permissão. 

Decide então partir, sair, se mandar do bar. Diz adeus às amigas que estavam com você. Quando perguntam porque está indo embora tão cedo, responde que recebeu uma ligação de sua mãe e precisa voltar logo pra casa. Nada preocupante, você garante. Mente para que não saibam o que passa pela sua cabecinha, para que não tentem ajudar. Você simplesmente não quer ajuda. Quer apenas escapar dali, partir para lugar nenhum e ao mesmo para todos os lugares. Você sente o frio subindo pela garganta e empurrando uma ânsia de fugir e gritar. Quer subir pelas paredes, não ser você, ser ninguém, ser alguém. Começa a andar, depois acelera os passos e sai correndo quando as pessoas no bar já não conseguem te alcançar e nem se preocupar. Está frio, você se aquece correndo para casa, para um santuário não infligido por memórias. E no meio do caminho, se depara com ele, também vestindo roupas de frio. Uma touca velha e gasta, luvas, um casaco pesado. Os amigos dele estão ao lado, todos de camisetas de manga curta. Alguns de calça, outros de bermuda. Parece que só vocês sentem o frio da estação.

Você para e ambos começam a se olhar de maneira estranha, como se tivessem se perdido há muito tempo. Ele fala para os amigos irem para o bar sem ele. Diz para não se preocuparem, ele ficaria bem. Quando os amigos partem e passam por você, ninguém tenta olhar pra trás. Eles sabem que aquilo não pertence a eles. Vocês se encaram com dor, um esperando o outro dizer algo logo. Quem acaba tentando quebrar o gelo é ele.

Ele te pergunta, meio tímido e cabisbaixo, como você vai. Acaba respondendo com uma espécie de sussurro que vai indo bem e repete a pergunta para ele. Ele diz que acha que está bem, sim. É pura conversa fiada e você sabe que o ataque de pânico que estava sentindo estourar suas veias e esperanças só está aumentando de tamanho a cada segundo. Decide ir embora logo. Você precisa ir embora. Quando está abrindo a boca para dizer "desculpa, mas eu preciso realmente ir embora", ele fala. Você ouve, mas sua cabeça pensa em 3 mil e diferentes coisas. Você pensa no cabelo dele. Na barba por fazer roçando em seu rosto. Pensa no frio que apagou a cor daqueles olhos castanhos tão cheios de vida. Percebe que ele disse alguma coisa a ver com a situação de vocês. Algo como deixar você correr para sei lá onde você estava correndo. Quando percebe, ele já está andando e te passando, indo para o lugar que você lutou tanto para sair. Seu coração vai batendo cada vez mais rápido, seu pânico quase atinge as cordas vocais. Fica parada por alguns instantes quando ouve a voz dele atrás de você. "Foi bom ter te visto", ele diz. Você vira para encará-lo e repara naquele sorriso pela metade, em apenas um lado do rosto, que ele sempre dá. Talvez ele esteja lembrando dos bons momentos. Você certamente está lembrando agora (ah, os bons momentos!). Ele acaba por te dando as costas e indo atrás do amigos que, afinal, pararam na porta do bar para esperá-lo.

Sua necessidade de sair, gritar, não ser mais nada, explodir, se esvai, deixando um buraco que você preenche rapidamente com tristeza e lágrimas congeladas, esperando um momento para escorrerem por ai. Você volta para casa e sua mãe lê sua expressão logo quando te vê. Ela pergunta o que aconteceu, com um olhar preocupado no rosto, aquele velho olhar de mãe. Você não consegue suportar o olhar e não sabe se quer chorar com ela ou sem ela. Acha melhor ficar sozinha e é o que diz para ela. Vai indo em direção ao quarto e decide tomar um banho quente. Lá você derrama suas lágrimas. Explode de maneira silenciosa enquanto seu mundo parece desabar ao seu redor. Vai para o quarto e se tranca. Pega um, dois, três cobertores e se cobre com eles. Tenta de alguma maneira quebrar o gelo em seu coração, mas começa a achar isso impossível. Tenta pensar em quando tudo isso aconteceu, quando que vocês se distanciaram tanto e não consegue achar resposta. Pode ter sido ontem, semana passada, ano passado. Talvez até na vida passada. Vocês simplesmente ficaram assim. Pensa nele, em como ele está apagado, sem brilho, sem nada e em como você está sem calor, sem espaço. Vocês se magoaram mutualmente sem intenções. Esfriamos, você acaba dizendo a si mesma. Sim, esfriaram. Esfriaram o tempo, o amor, o carinho e as saudades. Esfriaram até mesmo a sensação de estarem vivos. Esfriaram as chances, os talvezes, os poréns e os eu te amos. Você deita e busca conforto nos seus sonhos.

Lá não neva.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Mudanças

Ando pensando bastante das coisas que publico aqui e em como eu nunca tenho uma base de quando vou postar. É tudo aleatório. O texto chega do nada, eu posto quando dá vontade e começo uma espécie de hiatus sem previsão de retorno entre as publicações. Este mês de fevereiro eu só publiquei um texto e ele havia sido escrito havia meses. Cheguei a pensar por um momento que ele nunca seria lido por outros olhos além dos meus: ele era um daqueles eternos rascunhos de gaveta que você encontra acidentalmente quando vai limpar as coisas e acaba percebendo que seria legal se mais alguém visse. Aleatoriedade, nada programado, tudo estranho, alucinado. 

Por isso cheguei a conclusão que preciso botar uma espécie de controle em todo o processo. Textos publicados de forma aleatória deixam as pessoas desavisadas e a minha mente despreparada. Colocar um certo limite de tempo entre a escrita e a publicação fariam não só com que os seguidores da fanpage e do blog por si próprio conseguissem interagir mais com o blog porque eles sempre saberiam quando algo estava para ser publicado, mas como também me daria uma espécie de apoio para os constantes "travamentos" que minha mente tem ao tentar ser expelida e impulsionada em palavras digitadas. Eu me acostumaria com curtos prazos de tempo para o desenvolvimento e a criatividade (sempre bom deixar para o final do prazo!), e os leitores se acostumariam em ler algo sempre no mesmo dia, no mesmo horário, como uma série de televisão.

Enquanto pensava nisso, outros fatores surgiram porque eles sempre estiveram na minha cabeça e parece que eu não tinha coragem e nem sabia a hora certa de acrescentá-los ao blog. Como já havia dito em outras postagens, esse blog foi feito não só para textos literários, mas também para postagens de filmes, livros e músicas. No começo da existência deste site, eu até escrevi uma resenha sobre o livro Coraline, de Neil Gaiman, mas acabei desistindo da ideia de fazer outras. Os motivos variam desde eu não estar acostumado a escrever resenhas (e assim desistir da ideia porque eu tinha preguiça demais de tentar melhorar) até o fato de que existem milhões de blogs por aí que falam de livros e que seria difícil um tão recente e sem tantos meios de publicidade conseguir achar o seu espaço. Os filmes e as músicas entraram pelo mesmo caminho, e me limitei apenas aos textos e poemas que ia escrevendo e percebendo que seriam bons se fossem postados. 

Quando esses fatores combinaram com as minhas ideias de prazos, limites e treinos constantes de escrita, eu percebi que, talvez, essa fosse a hora certa de mudar algumas coisas em relação aos conteúdos de Turista do Infinito. Aqui estão, basicamente, as minhas ideias que pretendo colocar em prática até o dia 16 de março (preciso de um prazo, então, 16 de março é o dia):

1ª: colocar prazos em relação aos textos literários, como os Desabafos e os Poemas. A ideia é lançar um texto novo todo domingo a noite. O outro dia que me veio são as quartas a noite. Então, um desses dias da semana será minha âncora. 
2ª: não SÓ textos literários serão publicados no blog. A ideia é começar com resenhas e textos tratando de livros e ir avançando para filmes, músicas e afins. Estes textos serão publicados SEM prazo, ou seja, podem ser publicados numa segunda de madrugada ou numa quinta a tarde, por exemplo. O importante disso é atrair outras pessoas ao conteúdo extra, mas deixar aquelas que já seguem o blog por causa dos textos literários preparadas para as postagens dos mesmos.
3ª: a fanpage do blog no facebook será usada com mais frequência e não constará apenas com notificações em relação às postagens do blog. Textos explicativos, como este que vocês estão lendo, serão postados lá, em vez daqui. Postarei conteúdo extra como poemas, músicas e imagens que eu achar que se encaixam com o propósito do blog. Então, cumprindo minha 2ª ideia, as coisas podem variar bastante. 

Darei-me um tempo para me acostumar com as escritas a prazo e com o acréscimo de conteúdo. Pretendo que tudo se ajeite até o dia 16, o que me dá cerca de 20 dias.

Longos dias e belas noites.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Impôs tem cia



Talvez eu esteja perdendo o valor de ser, aquela coisa pequena, por vezes ridícula, que guardamos dentro do peito e tocamos quando enfrentamos algo que vá contra o que queremos fazer. É difícil dizer o que está indo antes, o ser ou a esperança. Talvez a sanidade, quando ela foi dar uma volta para comprar cigarros. Porém é complicado me referir às coisas que, uma vez, faziam sentido dentro de mim. Agora o único sentido que elas tem são para fora: fora de mim, fora de vista, fora de questão. Estou me tornando cético, quebrável, esmagável, algo fora dos padrões do quadro que venho pintando há anos. Olhar no espelho é estranho, bizarro. Posso reconhecer o físico, mas tenho problemas de contato com o ser que apresento. Aquele sou eu? Aquele ser que está deixando de lado tudo o que acredita ou gostaria de acreditar só para não sofrer, só parar viver uma vida sem viver, e acaba sofrendo cada vez mais com as inconstâncias de seus pensamentos claustrofóbicos em sua mente desgastada? Sinto-me perdendo meu ser cada vez mais profundamente no inexistente, no ausente, no intransferível e no austero da realidade em fuga. Cada copo de refrigerante é um sentimento roubado que tento envenenar em mim mesmo. Cada garrafa vazia é uma expressão artística do meu coração roubado por eu próprio e levado para sei lá que labirinto silencioso de minha mente. Cada prato cheio jogado fora, cada embalagem atirada ao lixo, uma maneira de eliminar aquilo que eu não quero em mim. Enjoo das coisas com rapidez e morbidez. Estou cansado da habitual vida que vivo e estou cansado dos constantes rema barco que faço para chegar algum lugar. Estou perdendo meu valor de ser, taxado por aí a centavos de real, a beijos sem amor e nem significado, a isolamentos virtuais e reais por nenhum motivo satisfatório. Estou me levando ao encosto de um abismo, um abismo sem fim, que engole tudo, que engole todos. O que fazer para me tirar de lá? O que fazer para me recitar de lá? O que fazer para meu ser valer sair de lá? Para que corda devo ligar? Com que corda devo lidar? Com que corda eu posso contar? Quando a sanidade voltar, talvez já seja tarde. Direi para ela que voltou tarde demais, que encontrei outra alguém e me apeguei a ela pela falta de ter alguém a quem me apegar, pois é isso que fazemos: nos apegamos ao que parece mais rígido e sólido, mesmo que esse algo que nos agarramos seja nossa própria queda. E tudo que parece sólido um dia pode derreter, como a própria incerteza do ser.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Tempos modernos



Todos os dias quando acordo, eu não sei o que pensar. Minha cabeça acorda naquele redemoinho de ideias e pensamentos girando, girando para esquerda e girando, girando pra direita. Fico zonzo, mareado, sem saber o que fazer a seguir. Acabo olhando pro celular como um instinto, saio do redemoinho e penso em que horas são. Dependendo do dia e do horário, eu paro, esfrego os olhos e tento acordar de verdade e levantar. Às vezes, me pego por uma série embaralhada de cartas do passado enquanto penso que não tenho mais o tempo que passou. Mas, às vezes, ainda mais recentemente, meus pensamentos se perdem e vão para você.

Sua imagem chega a mim e ganha nome, expectativa. Quem é você?, eu me pergunto apesar de saber a resposta, mesmo que seja apenas uma parte dela. Do que você gosta?, o que faz em dias chuvosos?, você sai e se molha?, você fica trancada em casa assistindo filmes antigos enquanto come pipoca? Quem é você? O que quer de mim? Contudo, é óbvio que não iria conseguir responder tudo isso tão tarde, mas tão cedo. As coisas às quatro da manhã tem uma mania de parecerem tardias, tantas outras vezes, eventuais ou recentes demais, como se fossem vistas de uma esquina e estivessem vindo em sua direção, mas você está a 20 quadras de distância e só enxerga um pontinho colorido e fascinante vindo em sua direção.

Fico segurando o celular esperando que, mesmo nesta alta madrugada/baixa manhã, você me mande uma mensagem. Quem sabe um pedido de resgate. Poderia sair de casa e correr para a tua, só para te ver e sem saber o porquê. Talvez só porque você pediu. Só porque você é você e porque todas as perguntas podem ser respondidas, mas você me fascinará e me elevará a novas coisas, a novas sensações e a novos horizontes todos os dias. Eu preciso dessa mensagem. Eu necessito. Fico esperando que ele vibre em minhas mãos, que chegue minha salvação, mas minhas fantasias são frustadas. Aquela esperança passageira passa por mim como um trem bala e o estrago é só interno. 

Não sei o que pensar sobre a situação tão ridícula que me coloquei e afasto o aparelho de mim. Uma parte de minha pessoa ainda tem esperanças e pede para que aquele pedaço frio de plástico vibre, que sua tela se ilumine, que aquela mensagem fantasiosa chegue. Fecho os olhos, focalizando o momento, te focalizando mergulhada naqueles teus olhos cheios de coisas que desconheço e que eu sei que um dia você poderia me contar. É cedo, digo para mim mesmo. Meus olhos estão fechados, minha vida aberta a novas aventuras, a novas esperanças, a esquecer todo aquele tempo perdido. 

Entro tanto nos pensamentos, que eles começam a girar de novo, e de novo, e de novo. Quando vejo, não vejo, pois estou adormecido em algum sonho. Fico nesse estado até já ter amanhecido e repito todo o pensamento e ação da madrugada, como se você tivesse se transformado no meu instinto de sobrevivência, como se eu precisasse de qualquer coisa de você para continuar calmo e sano. Mas dessa vez, algo diferente acontece. Eu aperto o botão e ligo a tela do celular no mesmo instante que chega uma mensagem. Meu coração acelera e não sei se quero ver quem me mandou ela; a decepção poderia ser esmagadora.

Só que é você. Você me agracia com suas palavras, mesmo num tão simples "bom dia". O coração se acalma, e relaxo de uma maneira que não relaxei no meu sono inteiro. Esse poderia ser o meu verdadeiro sonho, mas é a realidade, e fico ainda mais satisfeito de estar acordado, vivendo esta vida. Respondo a mensagem e eu sei que continuaremos a conversar pelo restante do dia que se segue. Talvez sairemos no fim de semana ou em qualquer outro dia da semana. Você que decide. Depois que respondi, deixo o celular em cima da barriga, não querendo afastá-lo totalmente de mim. Acabo me dando conta que nem vi que horas eram, então volto a pegar o celular.

Ainda é cedo.