domingo, 25 de maio de 2014

Ela



Era aquela eloquência de sempre. Correria, celular tocando, roupas jogadas para todo o canto até encontrar uma que preste para seguir o dia. Era sempre assim, aquela rotina massiva e maçante que matava. Era possível até encontrar um amigo no meio do caminho, mas já sabia que as coisas já não eram mais as mesmas havia alguns meses. Seu último namorado a traiu. Os amigos já não ligavam mais porque estavam com suas namoradas e namorados. Os pais estavam de férias sem prazo de validade e ela estava jogada pelos cantos de uma vida tediosa e sem ninguém.

A mesma nota musical todo dia. Fá. Sol. Lá. Fá de novo. Lá bemol com 4ª. Quarta feira, dia de descanso ou de retardação? Ou apenas mais um dia para fugir pelas ruas desertas nessa cidade abarrotada de pessoas? Era sempre aquilo, não havia mais. Os banhos eram os mesmos. Não havia inspiração para cantar, nem no chuveiro. Quando achava que poderia parar, se apaixonar, encontrar alguém, viver a vida, nunca acontecia. Ela era muito fugitiva. Ninguém a pegava, nem desprevenida. Apenas aquela palavra a pegou e começou a esmagar sua existência.

Solidão, ela gritava.
Solidão.

Dia após dia, hora após hora, ela pensava o quão desgastante sua vida havia se tornado. Mesmo trabalho, mesmo carro, mesmo café, mesmo almoço. As pessoas eram sempre as mesmas, sua vida não andava para outros lugares: simplesmente fazia o mesmo percurso de ida e volta havia muito tempo. Ela já não sabia quanto era muito tempo.

Com ainda mais tempo, foi se tornando amarga. Amar já não era uma coisa boa e possível. Era impossível e triste. As amizades se rompiam ainda mais com o passar das estações e ela foi se desbotando, perdendo cores, se tornando negra como o café que tomava de manhã, como o céu noturno que ela nunca pode compartilhar, como o véu que usou quando desistiu de lutar.

No dia que simplesmente entregou a toalha, ela já não vivia mais. Tinha 27 anos quando sua vida virou um terror em sua própria existência. Tinha 31 quando já não tinha cores para doar, apenas dores. Tinha 32 quando desistiu. E tinha 48 quando um assalto a mão armada a pegou num supermercado. Ela não sentiu medo, não resistiu; se doou inteira. Um moleque, talvez com 18, 19 anos, não resistiu. Apertou o gatilho. Quando ela veio a cair, fria, no chão, o sangue era negro. Mas ela não sentiu mais nada. Ela já estava morta antes do tiro.

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