quarta-feira, 3 de julho de 2013

Para Janine (ou "Vá então, há outros mundos além deste...")


Para Janine, escrever aquela carta deveria ser muito complicado. Mas não foi.
    
    Ela era uma escritora fascinante, mas nunca prestigiada e ela já tinha em mente a maior de suas obras. Na verdade, já iria acabá-la. Se sentou à frente de sua Underwood, sua amiga mais antiga e começou a datilografar o que seria uma obra-prima.
    Ela repensou todas suas idéias, todos os motivos que a levaram para aquele instante e garantiu que estava fazendo a coisa mais certa possível consigo mesma. Aquele pedaço de papel seria sua entrada monumental para a história da literatura, mesmo que não houvesse como comprovar isso. Ela simplesmente sabia e sempre fazia com maestria o que sabia.
    Os dedos passavam pelas teclas e o barulho de cada escrita ecoava pelo mausoléu que se tornou sua casa. Ela só trabalhava e trabalhava, sempre no mesmo local agonizante que era o mundo da economia. Se sentia descartada dentro daquele banco, se sentia isolada e mesmo sendo muito esperta (e até muito inteligente quando se tratava de exatas) não conseguia se encaixar.
    Mas ela nunca desistiu de seus sonhos: ter o nome marcado na história e ter uma de suas obras considerada um clássico da literatura mundial. Escrevia todos os dias e juntou dinheiro para comprar sua maquina de escrever. Criou um blog e fermentou ideais que nunca foram concretizados. Janine ainda vivia no inferno, sem amigos próximos, num trabalho que ela odiava com todas as suas energias e com um coração esmagado continuamente por amantes pretensiosos e extremamente egoístas. E enquanto ela escrevia, ela lembrava o rosto e o nome de cada infeliz. Fazia questão de lembrar deles enquanto datilografava, simplesmente para colocar toda sua essência em papéis que poderiam ser muito bem descartados.
    Janine se entreteve por mais tempo que imaginava e as páginas escritas nunca ficavam do jeito que queria. Não a agradavam. E cada folha péssima que ela digitava, ela amassava e jogava por trás de seu ombro, formando uma pequena pilha de bolas de papel.
    Se concentrou um pouco mais no serviço e finalmente escreveu aquilo que tanto queria. Para ela, escrever era algo refrescante, mas às vezes era algo maligno e uma boa idéia poderia não sair muito bem ao ser transposta de sua mente ao papel. Entretanto, ela sempre alcançava o que queria ao escrever, e o que ela tinha passado a limpo era sua entrada para o mundo fantástico dos autores famosos.
    Olhou para o relógio e viu que eram 01h12. Abriu o blog e programou um post para depois das duas da manhã. Releu o texto recém nascido duas vezes e o colocou ao lado de sua Underwood. Aquela era a hora e precisava fazer rápido. Como seu pai dizia: “Quando uma oportunidade aparecer, e você a estimar muito, agarre-a com unhas e dentes e não solte-a até alcançar seus objetivos”. Ela não iria desperdiçar mais uma oportunidade. Pegou a cadeira em que estava sentada e a moveu de lugar. Ficou em pé nela e abriu a porta de cima de seu armário. Pegou todos os livros que havia escrito e nunca havia lançado por destino do mundo. Desceu da cadeira e deixou os livros no lado oposto de sua obra-prima. Livros, máquina e magnum opus, tudo junto.
    Pegou a cadeira novamente e levou para outro canto. Verificou todas as gambiarras e se certificou que nada iria falhar de última hora. Se ergueu mais uma vez na cadeira, agarrou sua oportunidade e nunca mais a soltou.

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