segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Individualismo, fones de ouvido e celulares

Entrando no ônibus, a primeira coisa que eu faço, após pagar o motorista e receber meu troco de volta, é olhar para os bancos na esperança de encontrar algum assento vazio e, com ainda mais esperança, que seja perto da janela (afinal, janelas são mágicas). Quando me sento no local desejado, eu logo pego meus headphones vermelhos e os coloco, me isolando daquele pequeno mundo até que eu desça do ônibus. 

Com o passar do tempo, da velha e cansativa rotina, eu começo a reparar em certas coisas que normalmente eu não repararia, porque também faço de forma inconsciente. Logo quando entro no ônibus, não procuro somente por um lugar vazio; eu procuro por dois lugares vazios: um para mim e um para ninguém, um assento vago. Busco a ausência de pessoas sentadas ao meu lado. E é engraçado perceber que todas as pessoas fazem isso sem uma exceção lógica. É como se todos quisessem sentar na janela e deixar o lugar ao lado inválido para outras pessoas, uma espécie de limitação dos contatos pessoais. E, cada pessoa que entra, escolhe uma dupla de assentos diferente até que metade dos lugares estejam ocupados. Só aí que elas são impulsionadas a ter que escolher com qual pessoa elas se sentem mais confortáveis, o que nunca é trabalho fácil, afinal essas mesmas pessoas não estão interessadas em interações, pelo menos não físicas, reais. Elas só querem entrar, pensar na vida e sair. Talvez olhar pela janela, imaginar mil e uma cenas distintas em suas cabecinhas tão complexas e maravilhadas. Mas é sempre mais do mesmo. Mais dessa isolação. 

E eu vou além dos lugares. Eu reparo em suas expressões e no que estão fazendo. Estão todas com seus celulares e fones de ouvido, em seus mundinhos particulares, exclusivamente construídos para que funcionem por quanto tempo for necessário. Essas pessoas estão falando no celular, mandando mensagens, verificando seus perfis em redes sociais, ouvindo músicas (como eu). Algumas até olham para fora, talvez pensando no amor de suas vidas, na dor profunda em suas almas, no que vai ter de jantar quando chegar em casa. Entretanto, o isolacionismo de cada indivíduo está ali, em seus fones de ouvido que logo, logo irão quebrar, em seus celulares que logo, logo irão trocar e em suas amizades tecnológicas que logo, logo vão se desconectar. 

Saio do ônibus sempre pensando nessas coisas, mas não tiro o fone de ouvido e nunca tento me aproximar de alguém enquanto estou lá. Uma parte de mim diz que não se importa e a outra diz que não vale a pena. Porém é algo a mais para pensar. Sigo até a sala de aula e reparo nas pessoas que lá estão: adolescentes, adultos. Olho para elas de maneira não reveladora, para não parecer estranho, e vejo todos com celulares em suas mãos e alguns com fones de ouvido em suas orelhas. Alguns até conversam entre si, mas o número de pessoas conversando é bem menor do que a quantidade de pessoas vivendo em seus próprios isolacionismos. Mudando o estilo do ambiente, pensaria que tinha acabado de entrar no ônibus de novo, porque a cena é igual. Pessoas vivendo em seus mundos fantasiosos e/ou virtuais. Escapando daquelas que não conhecem direito, escapando, às vezes, do amontoado de pessoas que se forma em algumas partes da sala. E todos presos em suas próprias criações. 

Sento em meu lugar habitual e olho para elas. Ignoro, com sucesso, as conversas, mas presto atenção nos celulares, no que elas estão fazendo. Não que eu me interesse por suas vidas privadas, em seus casos amorosos ou em seus pensamentos, sou alguém como elas vivendo em meu próprio isolacionismo de headphones, mas é curioso ver a cena se repetir por todo lugar que passo. Quando saio e vou em bares (que é uma raridade), vejo as pessoas olharem para seus celulares e conversarem por eles com pessoas que nem lá estão em vez de aproveitar o momento. Essa vida virtual começa a tirar a vida real delas.

Abranjo meus pensamentos para além dos outros locais e percebo o quanto as pessoas querem estar em todos os lugares ao mesmo tempo, mesmo que sejam lugares irreais. Todas elas tem contas na maioria das redes sociais, postam coisas sobre elas mesmas que muitos nem querem saber, mas que acabam se identificando. Dão um like, algo tão rápido e efêmero que, minutos após a ação, não lembram mais o que fizeram e nem o que leram. Todos bombardeados com notícias demais, pessoas desconhecidas demais, números demais. As amizades são avaliadas pelo número de conversas registradas no facebook. A popularidade, pelo número de likes em fotos do Instagram e em retweets no Twitter. O sentimentalismo fica esquecido em pequenos links nesse oceano de aleatoriedades, de desnecessidades, de isolacionismos reais e expansionismo virtual. E nessa sociedade capitalista e individualista, elas já ficam satisfeitas com seus consumismos desenfreados, com pequenas massagens no ego delas próprias, em estupidezes e indicações de como se sentem perante pessoas que nem conhecem de verdade. 

Então elas deixam os sentimentos verdadeiros de lado, perto do cinzeiro que nunca usam. Apelam para os números, sejam os de amigos numa rede social ou a quantia de reais que elas tem em suas contas, para gastarem com a coisa mais desnecessária que existe no momento. Elas ostentam seus poderes limitados através de suas músicas e de suas atualizações, abandonando a natureza real do espírito humano. Ou será que sempre fomos assim e só fomos piorando com o passar dos anos e do avanço gradativo das tecnologias pessoais? É comum deixar de lado questões como essa quando é sempre mais fácil viver na ignorância plena. Como já diziam: ignorância é uma benção. 

Acordo de meus pensamentos com um estalo e tiro os fones de ouvido. Ouço os carros passando na rua, as conversas paralelas e o som de chuva fina caindo. Olho para as pessoas e elas ainda estão em seus pequenos reinos. Algumas até chegam perto de mim e começamos a conversar. O tempo passa, os professores dão suas aulas e chega a hora de eu ir embora. 

Pego o ônibus mais uma vez e vejo a mesma cena se repetir. Coloco os fones de ouvido porque tudo isso parece ser maior do que eu e eu tenho certeza que seja. Chego em casa e ligo o computador, porque é mais forte que eu. Entro nas várias redes sociais que eu possuo, porque é mais forte que eu. Penso por um segundo que faz parte do sistema viver nessa forma de dependência. Todas as pessoas estão conectadas. Aquela senhora que sentou atrás de mim no ônibus está no meu facebook. Vejo ela postando fotos da filha mais velha, que acabou de se casar. Aquela garota bonita e charmosa que eu sempre tenho vontade de conversar está online, e seu perfil indica que é solteira e gosta das mesmas músicas que eu. Ela está ao toque de um botão. Eu posso conversar com todas elas, mas elas já me dão todas as respostas em seus perfis. Eu sei quem são. Às vezes até sei onde moram. Sei com quem andam, onde andam, que filmes gostam de assistir, que séries foram vistas na infância. Sei até mesmo alguns de seus pensamentos mais "secretos". Está tudo lá. Não é preciso muito trabalho. Elas se desligaram de suas vidas e resolveram viver no online da matrix, em seus isolacionismos e individualismos pessoais. 

No dia seguinte, as cenas são sempre repetidas, um episódio que já passou várias vezes na televisão, mas que ninguém liga de ver. Coloco meus fones de ouvido no amanhecer do dia e me deixo levar para longe dessa realidade cruel até que a noite se esgote e a bateria acabe.

2 comentários:

  1. Eu sou fã de acentos vazios. Um bom acento vazio ao seu lado te fez criar esse texto. Aposto que foi um bom acento vazio ao lado do Woody Allen que fez ele pensar em tudo que ele sempre quis saber sobre sexo, mas tinha medo de perguntar. Duvido que mais da metade das boas ideias do mundo não sejam graças àquele acento vazio no fundo do ônibus. São os melhores. Já ensaiei três longas na minha cabeça por conta de alguns acentos vazios.
    Mas fones de ouvido são uma merda. Só me deixam pensar em clipes musicais.
    E celulares uma perda de tempo.
    E essa coisa de se misturar o público com o privado é a maior babaquice dos nosso tempo.
    O Mark é o maior filho da puta. Embora o fato de poder "estar" com alguém com quem não se pode estar no momento torne algumas situações um pouco mais leves.

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  2. Ótimo texto! É engraçado, não é mesmo? Ás vezes acreditamos sermos os únicos a pensar sobre certos detalhes, mas talvez, ao menos uma vez, todos já tenhamos tido tais reflexões. A "Regra do assento" como gosto de chamar,que tecnicamente não existe,porém inconscientemente está lá, e todos seguem,sem se preocupar com o motivo. Sempre quando penso sobre isso,um pensamento seguinte me vem á cabeça: Comparo a situação com jogos,especialmente um RPG, onde, a primeira ação á tomar quando se encontra um novo cenário com NPCs é interagir com todos,descobrir que experiências cada um quer dividir conosco e que possíveis tarefas talvez tenham para nos entregar em troca de recompensas. Agora imagine se,apenas passássemos por eles em silêncio,sem interagir ou se preocupar,que entediante seria. Agora imagine o contrário em nossas próprias vidas,o quão único e diferente poderia ser cada dia se aplicássemos essa "política de interação", mas ao invés disso, uma pequena voz,porém persuasiva,ecoa no fundo de nossas mentes nos dizendo "Deixa pra lá,não vale a pena,nem parece interessante" e assim acabamos que por seguir dia após dia fazendo as mesmas coisas,sem se preocupar com o novo,com o que seria possível...

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