domingo, 6 de julho de 2014

Pontos



Por volta de um horário desconhecido, entrei na biblioteca com esperanças que não podia depender. Se estava procurando por alguma coisa, meus olhos e meu coração me enganaram e me levaram para todos os corredores e livros errados. Procurei por um grande espaço de tempo, me perguntando se eu era capaz de achar a coisa secreta que estava indo atrás, esperando que eu tivesse viajado todo aquele caminho para encontrá-lo, aquele segredo, aquele horrível tesouro da qual eu não tinha pista alguma e que poderia salvar minha vida, nem que fosse por apenas alguns segundos. As palavras que eu lia lá estavam todas me dizendo "Não, você não sabia. Como você não sabia? Você se enganou perfeitamente dessa vez, meu caro. Seu amor te deixou ávido por ar puro entre as ondas da praia. Você está perdido, você está dilacerado, você está procurando por algo próximo demais para ser notado como uma resposta.", primeiramente como um sussurro. Tentei fortemente me concentrar nos livros e abandonar as palavras e seus sons desagradáveis fazendo eco em minha mente, mas elas desistiram dos murmúrios e começam a gritar em minha cabeça, me preenchendo com coisas que eu não queria pensar ou sentir naquele momento. Aquele era meu momento de paz, TINHA que ser meu momento de paz, tanto que o estava desperdiçando no lugar mais pacífico que eu poderia entrar. Eu olhei, e olhei, e olhei. Eu procurei por toda a coluna de ficção, em todos os livros sobre cinema, música e outras línguas, e nada, nenhum livro, me deu o que eu queria. Então eu olhei para as mesas e vi aquela garota lendo. Não conseguia ver seu rosto, mas vi os livros que estava lendo. Ela estava tão... concentrada, poderia lhe dizer isso olhando-a apenas pelas costas. Andei até sua direita e tentei visualizá-la. Ela era linda. Sua boca, pequena, era silenciosa, e seus olhos, seus grandes olhos claros, estavam se movendo rapidamente, determinados. Ela não me percebeu enquanto a espiava, enfeitiçado por sua aparência e pela sua maneira solitária e tímida de se sentar e ser ela mesma, sozinha entre os livros. Desviei o olhar e continuei minha procura do mesmo jeito. Enquanto estava agachado, navegando meus olhos entre as lombadas dos livros, eu a vi em outro corredor. Eu só conseguia ver sua bunda e sua virilha, quase como algo sexual visto que suas calças pretas definiam sua forma. E mesmo assim, apesar de toda a conotação sexual que aquela visão me garantiu e que garantiria a qualquer outro homem (oh, disso eu lhe garanto!), comecei a observá-la não como um perseguidor nojento, como um homem solitário que pervertia garotas em livrarias e parques, mas como um homem procurando uma resposta no jeito dela ser, agir e se mover. Mas ela não se movia, não com os pés, pelo menos. Eu sabia, simplesmente sabia, que ela estava olhando para as lombadas dos livros daquele corredor exatamente como eu estava fazendo momentos atrás. Eu sabia que ela estava procurando por alguma coisa também, tentando desenterrar uma resposta que eu podia ver da onde eu estava. Eu sabia que ela estava perdida em seus pensamentos, e me perguntei quem ela poderia ser. Qual era o nome dela? Sua idade? O que ela gostava de ler em casa? Ela tinha irmão, irmãs, pais que a amavam ou estava ali, como eu, procurando por um pouco de sanidade e paz? Que perguntas vagueavam pelo seu coração e gritavam em sua alma? Eu a fixei em meu olhar, embasbacado, maravilhado e atônito enquanto me levantava e deixava minha consciência voltar ao mundo real. Da onde eu estava, não conseguia ver seu rosto, ou o que fazia, mas eu imaginei. Ela mordia os lábios, sua mão esquerda segurando seu queixo, de forma contempladora, sua mão direita indo pra frente e pra trás, dos livros a apenas alguns centímetros de seu rosto, de forma tentadora, querendo tocar tudo, mas com medo ao mesmo tempo. Eu conseguia enxergar tudo isso claramente no olho da minha mente. Ela andou, de repente, e voltou a mesa que ela adotou e chamou dela. Saí do corredor e vi suas costas novamente, seu cabelo de cor da noite contrastando com sua pele cor de leite. Ela estava alguns passos de distância do meu toque e eu poderia caminhar por apenas dois segundos até ver seu rosto e lhe perguntar todas as coisas que eu queria. Mas meu encanhamento falou mais alto que meus anseios e desejos. Eu somente andei aqueles passos em direção a saída da biblioteca, com nada em minhas mãos e nenhuma pergunta respondida. Eu respirei, sentindo o vento brincando com minhas roupas, as levando para uma pequena dança em volta de meu corpo. Eu olhei pra trás, procurando a garota, mas estava em lugar nenhum para ser encontrada. Não poderia culpá-la por aquele súbito desaparecimento, então eu me afastei, andando todo o caminho até o ponto de ônibus. Não havia ninguém lá quando cheguei. Chequei as horas no meu celular. Estava alguns minutos atrasado; o ônibus deveria ter passado uns 5 minutos antes. Bufei. Não havia nada que eu pudesse fazer, então sentei no banco e comecei a esperar, contanto os segundos e discutindo comigo mesmo porque eu não estava andando de volta pra casa em vez de esperar um ônibus e desperdiçando mais tempo. A parte cansada de mim ganhou. Se toda aquela tarde fora desperdiçada em outra procura sem pistas, então desperdiçar mais alguns minutos não seria lá grande coisa, afinal de contas. Eu esperei e esperei, olhando para os carros, quando eu reparei em alguém sentando quase ombro com ombro perto de mim. Eu me virei e os vi; aquele cabelo de cor da noite contrastando com aquela pele cor de leite. Meu coração começou a acelerar em meu peito. Eu desviei o olhar e percebi que ela estava olhando para mim também. Um silêncio desagradável estagnou o ar. Pelo canto dos meus olhos, eu a vi mordendo os lábios, suas mãos apertando as mangas de sua blusa. Encanhamento, eu entendi. Minha voz quase saiu, dizendo palavras que eu nem havia pensado, quando eu olhei para o lado e vi meu ônibus se aproximando. Eu a contemplei, ela me contemplou e todos os meus pontos de interrogação foram cancelados dentro dos reinos de minhas dúvidas e tristezas. "Oi", eu disse, sorrindo afetadamente. Ela sorriu da mesma forma e respondeu "Oi. Eu te vi na biblioteca, não te vi?". "Sim, eu estava lá, mas não sabia que você sabia que eu estive lá. Você me pareceu... concentrada demais". "Bem, e se eu te dissesse que eu pensei a mesma coisa sobre você?". Ela estava lá, centímetros de distância, assim como meu ônibus. Ela se levantou antes de mim. Ela havia feito sinal e eu não havia reparado nisso. "Esse é o meu ônibus", ela me disse, olhando para os pés. Eu congelei, uma gota de esperança me derretendo aos poucos. "Eu tenho más notícias pra você", eu disse, sorrindo, "esse é o meu ônibus também". Seus olhos se atrelaram aos meus. O ônibus parou e as portas se abriram. "Damas primeiro", eu disse. Ela olhou para mim novamente e entrou. Esperei um pouco e a segui, percebendo que ela havia se sentado ao lado de uma das janelas, timidez em seus olhos, mas me convidando com sua essência, com tudo o que ela era e poderia ser, para me sentar ao seu lado. Eu fui atrás dela e desisti de meus sonhos tolos. Eu sabia que nenhum sonho seria mais agradável do que aquele momento, então eu atravessei todo o caminho, sentei-me ao seu lado, sorri e fui para casa, perdido nunca mais.

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